Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


O ANJO BRANCO
José Rodrigues dos Santos
(Ed. Gradiva)

Uma das coisas que mais admiro na obra de José Rodrigues dos Santos tem sido a sua grande capacidade de nos prender no desenrolar dos acontecimentos que relata, quer sejam de carácter ficcionista ou parcialmente verídicos. Para mim que não sou crítico literário mas um leitor atento e entusiasmado – ia quase a confessar apaixonado – como se cumpre afinal este espaço dedicado ao meu Amor pelos Livros, é essa uma das facetas que deve caracterizar um romancista. E José Rodrigues dos Santos que vai com este livro no seu 8º romance tem sido como tal reconhecido pelo público que esgota as numerosas edições que têm sido feitas dos vários títulos. Não estamos nem minimamente convencidos que tal seja devido ao facto de ser igualmente um jornalista de grande mérito como por vezes é afirmado em relação a outros colegas seus, também jornalistas, que publicando obras de certo valor literário não conseguem obter os mesmos êxitos. Portanto algo de diferente, obviamente, se passa com os romances de José Rodrigues dos Santos. A construção literária, fluida e correcta, acompanha uma história que pode ou não ser verosímil mas que o leitor aceita como tal. Em obras anteriores, nomeadamente a Fúria Divina, a documentação foi criteriosamente investigada, resultando num misto de ficção e realidade em que o leitor mergulha, para compreender alguns dos aspectos menos conhecidos do fundamentalismo islâmico que, como sabemos é um assunto eminentemente actual. Desta vez, temos o que alguns poderiam chamar um livro sobre as raízes de alguém que conhecemos muito bem – creio que o autor confessou que estava ali o retrato de seu Pai. O Anjo Branco é um médico que na sua estadia em Moçambique, resolve criar um sistema inédito de auxílio aéreo às populações mais carenciadas e desprotegidas. De repente vê-se confrontado com a Guerra Colonial. Mas para José Branco era indiferente o lado em que se encontravam. A sua missão era humanista e universalista. José deslocava-se num pequeno avião para onde quer que fosse necessária a sua presença. E assim nasceu no mato uma espécie de lenda. O romance descreve portanto o panorama vivido nessa antiga colónia portuguesa, num dos momentos mais difíceis da nossa história recente. Realidade ou ficção, em alguns aspectos, só o autor o sabe. Um grande amigo meu, igualmente médico, que fez serviço em Moçambique, nesses tempos, recorda efectivamente a presença daquele a quem a população chamava o Anjo Branco, aquele que descia de um avião, chegado do céu, vestido de branco, para sarar as feridas abertas pelo terror da guerra. Mesmo que tenha sido uma espécie de homenagem a esse homem a quem o autor estava ligado (José Rodrigues dos Santos nasceu em Moçambique) este seu novo romance não deixa de nos fascinar pela forma como está escrito e pelos sentimentos de abnegação e verdadeiro amor ao próximo que consegue transmitir-nos e que tão importantes são hoje para uma possível mudança radical no mundo em que vivemos.

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NAS SUAS PALAVRAS
José Saramago
(Ed. Caminho)

Este é, assim o podemos considerar, o derradeiro livro de José Saramago. Numa recolha do que disse ou escreveu, a partir de 167 fontes de entrevistas e livros, feita pelo seu amigo Fernando Gómez Aguilera, poeta, ensaísta e filólogo, apresenta-se, se é que para alguns é necessário, o verdadeiro retrato desse homem que para além de um grande vulto da literatura portuguesa, foi sempre o espelho do que há de mais digno num ser humano. Fiel às suas convicções humanistas de defesa dos direitos do homem, de ser a voz dos mais pobres e sacrificados deste mundo cruel em que vivemos mas também da capacidade de criticar quando entendeu que o devia fazer, sempre considerando que a ética (nas suas palavras) “é a coisa mais bonita da humanidade”, estão neste livro fragmentos do seu pensamento que nos ajudam a entender melhor o que somos como seres humanos.
Esqueçamos as divergências políticas ou religiosas em alguém que sempre pautou o seu comportamento pela capacidade de ser livre e de saber dizer não. Aqui, nestas páginas deste livro, n’As suas palavras, todos podem encontrar o verdadeiro Saramago e talvez até as razões porque teve de escrever sobre assuntos que alguns consideravam – e por ventura ainda consideram – intocáveis. Para ele, que considerava que entre os direitos do homem também pode e deve haver o direito à heresia, arrisco-me a dizer que teria a obsessão de procurar a verdade dos factos e das coisas, o porquê da história contada ao longo dos tempos, uma tentativa de se esclarecer e de esclarecer os outros com algo que poderia muito bem ser a verdade encontrada. Mas Saramago nunca pretendeu impor as suas ideias. Apenas as defendeu com as únicas ferramentas que um ser humano digno deste nome deve usar: a voz e a escrita. Pela escrita recebeu o Nobel da Literatura com o qual honrou mais o seu país do que o impressionou a si próprio, não se preocupando em mudar as suas ideias ou as suas relações com o mundo e com as pessoas. Pela voz foi possível muito mais: denunciar injustiças, fazer a análise crítica das circunstâncias em que o mundo vive e isto em qualquer hora, em qualquer lugar porque, segundo ele, a Vida está sempre noutro lugar e é necessário caminhar ao seu encontro. Foi isso que fez. Caminhou onde quer que fosse necessário. Utilizando as veredas tortuosas que se deparam quando se quer ir mais além, ao fulcro das questões por vezes ocultadas para que dificilmente sejam reveladas as suas pecaminosas origens, Saramago não poupou palavras e revelo-as ao mundo. Aí estão para os que quiserem conhecer a verdade. Saramago ainda conseguiu fazer a revisão deste livro. Pilar del Rio no dia da apresentação da obra, revelou à assistência que enchia a Sala do Palácio Galveias uma frase dita pelo marido pouco antes do seu falecimento, quando juntamente com alguns dos seus amigos se falava sobre a crise actual num recanto do quarto onde o escritor estava deitado, pensando-se até que ele não estaria a ouvir. Mas estava. E então todos o ouviram dizer: “Esta crise não é uma crise económica, é uma crise moral”. Já não foi a tempo de ser publicada nesta edição. Mas sairá na próxima. Medite-se bem nesta verdade com que Saramago resolveu selar os seus últimos momentos, sempre preocupado com o mundo que continuaria a girar mesmo depois dele partir.

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