Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


CAIM
José Saramago
Editorial Caminho

Mais um livro de José Saramago para o meu AMOR PELOS LIVROS. Não é de estranhar que assim seja. O consagrado escritor, amado por muitos e odiado por uns tantos – os primeiros por reconhecerem o seu valor na história da Literatura contemporânea e os segundos por discordarem das suas ideias e da liberdade de expor com frontalidade aquilo que pensa – desde há muito que é um dos meus favoritos. E as suas 42 obras que trouxe ao mundo das letras desde 1947 preenchem uma parte da minha humilde biblioteca. Esta história de Caim que cristãos e ateus conhecem da Bíblia mereceu-lhe sempre uma séria preocupação desde muito jovem – confessou na apresentação do livro na Culturgest. De vez em quando aparecia-lhe no espírito como algo a que tinha de se debruçar. E assim aconteceu há quatro meses - que foi quanto durou a gestação. "Porque preferiu Deus Abel a Caim? Porque não os aceitou a ambos como iguais em méritos, visto que o eram, provocando desse modo a morte de um deles e a desgraça do outro?" Eis a questão que preocupa José Saramago. Caim foi escolhido por Deus para matar o irmão e de seguida, também por Deus, foi condenado a errar pelo mundo sujeito às mais incríveis desventuras. Saramago conduz então Caim numa viagem imaginária a alguns dos mais emblemáticos lugares do Velho Testamento - a torre de Babel, Sodoma e Gomorra, Jericó, a Arca de Noé e outros, numa visitação crítica a aspectos em que se baseia a civilização ocidental. Desta história mais do que conhecida da Bíblia, Saramago constrói um romance de onde poderemos naturalmente tirar as nossas ilações, utilizando o seu direito de liberdade de expressão, mas desagradando à Igreja que se sente ofendida pela leitura literal que o autor faz ao livro sagrado. A polémica estalou, com insultos e blasfémias, o que curiosamente fez não só vender o livro como a própria Bíblia. Ainda bem que a compraram – a esta, diz Saramago – para que mais gente a fique a conhecer melhor. Enfim, por mim, li aquelas 180 páginas, quase sem parar. A mais recente edição da Bíblia, com 2400páginas, lançada quase em simultâneo, pelo Círculo de Leitores e Temas e Debates, levou 32 anos a traduzir e aí está para que o público melhor a conheça e se possível a entenda. A história de Caim por José Saramago é apenas um pequeno episódio que a igreja diz ser abstracto e que afinal tanto ataca na visão do nosso prémio Nobel da Literatura. Apetece-nos dizer: “Assim seja”.

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