Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


CLARABOIA
José Saramago
Ed. Caminho

É curioso e talvez não que o último livro editado do nosso Prémio Nobel tenha sido afinal um livro escrito na sua juventude com apenas 31 anos de idade, mais propriamente o segundo, após ter escrito e publicado o primeiro, o romance “Terra do Pecado”. Portanto uma obra que deveria ter dado continuidade ao seu poder criativo, não fosse o editor a quem entregou o manuscrito nunca mais lhe ter dado qualquer informação sobre se quereria ou não publicá-lo e só 40 anos mais tarde o contacta para o fazer, ao que Saramago respondeu que já não lhe interessava publicá-lo e recolheu o manuscrito. Tomou então a decisão de não mais o publicar por o considerar ultrapassado, deixando para os que lhe sobrevivessem a decisão de o dar ou não a conhecer. Felizmente que Pilar del Rio, a Fundação e os restantes familiares, resolveram pouco depois do primeiro aniversário da sua morte entregá-lo para publicação à editora que nos permitiu usufruir da quase totalidade da sua obra. Zeferino Coelho que, para além de editor era um dos seus grandes amigos, diz a propósito que se trata de “um bom romance onde se encontram já esboços do que viriam a ser as suas obras seguintes”. Aliás o próprio Saramago referia-se ao seu manuscrito quando tal acontecia em conversas amigas dizendo que achava que ele não estava mal construído, um livro também ingénuo, mas que – e reproduzimos - “tanto quanto me recordo, tem coisas que já têm a ver com o meu modo de ser.” De facto, trata-se de um verdadeiro romance que retrata a vida dos habitantes de um prédio de seis apartamentos numa zona modesta da cidade, cujas escadas recebem a luz através de uma clarabóia colocada ao nível do telhado. O autor terá vivido numa casa semelhante onde alugou um quarto a uma das personagens principais, neste caso do romance, um sapateiro que certamente muito teria a ver com o senhorio real. E são assim descritos os pequenos dramas, alguns mesmo de certo modo trágicos, vividos por aquelas famílias, numa forma que já é muito similar à que viria a ser utilizada mais tarde por Saramago e o levariam ao Nobel da Literatura. Não quero com isto dizer – e quem sou eu para o poder fazer – que não houve transformações na escrita e no valor das ideias expostas nas obras posteriores que o fizeram, com todo o mérito, atingir o lugar que passou a ocupar na literatura mundial. Mas existia, isso sim, já o sentido crítico e a afirmação pessoal das suas dúvidas quanto ao caminho que a humanidade já nesse tempo seguia, em que grande número de pessoas não sente a necessidade de se sentir responsável pelos seus actos e de fazer algo por aqueles que mais necessitam. Em Claraboia, Saramago será ainda talvez aquele rapaz que foge a tudo quanto pode constituir uma prisão e por isso quando sente que está a criar raízes resolve partir. Talvez aí já residissem muitas das suas dúvidas que mais tarde viriam a tornar-se certezas e pelas quais lutou pessoalmente e demonstrou nas obras que nos deixou e que mantém hoje uma actualidade indiscutível. Pese embora os ataques de que foi vítima por parte dos que não quiseram ou não souberam compreender a sua obra, será difícil aceitar que possam existir pessoas – mas existem – que se recusam a vê-lo como um homem excepcional, de grande literário, felizmente reconhecido muito para além das nossas fronteiras, com qualidades de grande valor humanitário em defesa dos mais fracos e desprotegidos. E sobretudo, nunca é demais dizê-lo, um lutador pela igualdade entre todos, quaisquer que sejam as suas ideias, na defesa dos direitos de todo e qualquer cidadão a seguir as suas ideias e os seus ideais. Infelizmente um certo poder dogmático nunca lhe aceitou que pensasse de maneira diferente das suas crenças e apresentasse livremente o seu modo de as analisar e verbalmente as combater, na forma oral ou escrita. Mas voltando a este romance, cremos que Claraboia merece de facto ser lido, até porque, como dizíamos atrás já se encontra nele muitas das ideias que mais tarde Saramago viria a desenvolver, de outra forma naturalmente, mas que aqui se compreendem naquela fase da sua juventude de modesto funcionário da previdência social mas já possuidor de um certo domínio da observação de tudo o que o rodeia, fazendo-o com a precisão e o sentido de ironia que haviam de vir a caracterizar as suas futuras obras. Afinal todo o valor com que foi reconhecido e ficará para sempre nos anais da história da Literatura. Embora também da minha parte, por razões que se sobrepõem à minha vontade, um pouco tardiamente, não podia deixar de colocar aqui esta “Claraboia” de luz sobre um livro e uma figura que passa a iluminar para sempre o meu Amor Pelos Livros.

Para ler um excerto desta obra clique aqui