Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne

AUSCHWITZ – UM DIA DE CADA VEZ
Westher Mucznik

Auschwitz nunca mais! É este tipo de frase que apetece dizer, aliás utilizado em diversas ocasiões quando queremos expressar o nosso desejo de que determinados acontecimentos não se repitam. E quando neste caso, essa palavra maldita significa um dos maiores horrores que os homens praticaram, levando ao sofrimento e à morte de mais de um milhão de pessoas, homens, mulheres e crianças, vivendo os seus últimos dias – se é que a isso se pode chamar viver – sujeitos às maiores privações, desde a fome às torturas, espancamentos, sem qualquer tipo de assistência mas muito deles fazendo parte ainda de diabólicas experiências médicas, que os conduziam a males ainda maiores, quase duvidamos que essa gente que originou o gigantesco holocausto, na tentativa de destruir os que não eram da sua “raça” ariana, eliminando sobretudo judeus e ciganos, pudesse pertencer à espécie humana. Nunca na história da humanidade se perpetraram tais crimes, tão numerosos e com tanta violência. Os relatos que nos chegaram, através dos sobreviventes, ao longo dos anos que se seguiram à sua libertação, deram-nos a conhecer a forma como tais crimes eram cometidos, o que se passava nas câmaras de gás, nos esgotantes trabalhos forçados para ajudar a força de guerra nazi, nas casernas onde se amontoavam no total desconforto como se de animais se tratassem, centenas de presos, muitas vezes sem saber se estariam vivos no dia seguinte. Mas cada testemunho que nos chega, cada história contada, cada retrato da miserabilidade a que foram sujeitos esses muitos milhões de seres humanos é sempre algo que nos revolta ainda mais. Se é que é possível ser maior a revolta que já sentíamos. No passado dia 27 de Janeiro cumpriu-se mais vez o que está estabelecido para comemorar de 10 em 10 anos a libertação de Auschwitz em 1945. Foi há 70 anos portanto que o Exército soviético entrou pelo chamado Portão da Morte para retirar os poucos sobreviventes que ainda ali se encontravam depois dos nazis terem levado a quase totalidade, muitos deles acabando por morrer nas marchas de retirada. Nesta cerimónia, que contou com a presença de 11 líderes de países europeus e delegações de mais de 40 países, assistiu-se pela televisão à forte carga emotiva com que reagiram naturalmente os cerca de 300 sobreviventes que ali voltaram para prestar a sua homenagem, muitos deles a familiares e amigos mas não só, a todas as vítimas que perderam a vida naquele conjunto de campos na região sul da Polónia. E, tal como foi salientado pelos oradores, os próximos aniversários não contarão certamente, devido à sua avançada idade, com o número de sobreviventes que ali estiveram desta vez. Foram as suas vozes e de outros que já partiram que nos permitiram conhecer até que ponto foi possível tal capacidade humana para a extrema humilhação, desprezo e genocídio de outros seres, biologicamente seus iguais mas diferentes nas suas crenças ou religiões. E é aqui que todos devemos centrar a nossa atenção. É necessário não esquecer, não esquecer nunca, lembrar nas escolas e nos livros, para que passe de geração em geração e possamos garantir com toda a certeza: Auschwitz nunca mais! Também nós próprios desejámos trazer aqui mais um livro que saiu nestes últimos dias precisamente nesse contexto. Para que não se esqueça. E mais uma vez, reparámos que afinal ainda não sabíamos tudo. O que a autora, aliás já com outras obras publicadas sobre Auschwitz, nos faz chegar em relatos não só de certo modo reunidos pelas características do conteúdo em locais determinados mas também cronologicamente organizados de modo a ser conseguido um historial dos factos desde o nascimento destes campos até ao momento da libertação. Perante todo o potencial de sofrimento e dor é também a luta pela sobrevivência, abortar a gravidez para não morrer mãe e filho(a), até mesmo escolher entre a morte de dois ou apenas um, praticando o crime de que mais tarde virão a sentir remorsos. É reagir por vezes, lutando pelo que parece desnecessário face à morte anunciada para salvar a faculdade de ser alguém, onde a cada dia em vez de um “…preferia morrer” (…) decidir “lutar para sobreviver”. Da primeira à última página, adquirimos uma estranha vivência de tanto sofrimento e tanta dor, atingindo a suprema humilhação que desce ao mais imundo do carácter de quem a perpetrou. E o que agora lemos só foi possível porque existem pessoas como a autora, aliás com responsabilidades em vários organismos que se dedicam a perpetuar a memória do Holocausto, que responderam ao pedido feito pelos sobreviventes: “Não nos esqueçam!”. Não esqueceremos nunca, assim o creio. E, se outras razões não existissem, bastaria isso para dar também este meu humilde contributo de aqui deixar o convite para que leiam este livro de Esther Muchznik. Como é hábito vai ser possível proporcionar ao visitante deste espaço a leitura de alguns excertos dele. E posso afirmar que nunca me foi tão difícil a escolha. Porque na verdade todo o livro merece ser lido. Há mais, muito mais para ser conhecido. Bem-haja quem nos permitiu que assim fosse.


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