O
GUARDADOR DE REBANHOS
Alberto Caeiro
Ainda há pouco tempo eu aqui escrevia sobre
Fernando Pessoa, quando do lançamento de uma criteriosa escolha feita pelo
editor de alguns dos trechos que o autor tinha atribuído ao seu semi-heterónimo
Bernardo Soares para o seu LIVRO DO DESASSOSSEGO. Escrevia sobre Fernando Pessoa, disse eu atrás, quando na
realidade não posso nem de longe arvorar-me à condição de analista desse grande
génio da nossa literatura. De facto, apenas alinhavei, como se pode ler mais
abaixo, noutra entrada deste espaço, algo do muito que sempre o admirei e do
que sempre me fez sentir ao longo da minha vida de leitor interessado e de amor
pelos livros. E eis que comemorando precisamente os 100 anos em que Pessoa , sob o
heterónimo de Alberto Caeiro, diz que escreveu num determinado dia 8 de Março
de 1914 os 49 poemas que constituem a obra O Guardador de Rebanhos, aparece
esta nova edição. E atrevo-me aqui apenas a citar um dos muitos estudiosos que
têm investigado a sua obra dizendo que, “analisado o seu espólio, nenhum poema
está datado desse dia, antes se situam entre 4 de Março e 7 de Maio de 914” . O dia 8 de Março teve um
grande significado para Fernando Pessoa por ser aquele em que recordava ter
“inventado” os heterónimos e daí nascera a sua escolha. Aliás são suas as
palavras numa carta a Adolfo Casais Monteiro: “Foi um dia triunfal da minha
vida e nunca poderei ter outro assim. (...) Com um título O Guardador de
Rebanhos (...) foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei logo o nome de Alberto
Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa
a sensação imediata que tive.” Sem pôr em causa ou querer analisar a fundo se
Caeiro foi ou não um mestre para Fernando Pessoa, o certo é que “O Guardador de
Rebanhos” nos apresenta alguém que se mostra pela primeira vez como um poeta
que, ao contrário do que conhecemos da sua restante poesia, se concentra numa
comunhão profunda com a Natureza. Uma espécie de simbiose. Ele que afirma no
poema de abertura “Eu nunca guardei rebanhos, mas é como se os guardasse”
comporta-se de facto como a alma de um pastor, aquele que sentado no cimo de um
monte observa tudo o que o rodeia, mas sem pensar, sem analisar, sem proferir
sequer os nomes das árvores ou das flores. Nesta sua obra, aprendemos com ele,
numa espécie de filosofia oriental, que o importante não é pensar no que se vê
mas sim e apenas ver. Nós, eu e provavelmente a maior parte dos leitores que
neste momento me acompanham, habituámo-nos a olhar para um pôr de sol e a
pensar de imediato como ele é diferente de outro, visto há dias, aquelas cores
são novas, está mais dourado do que um outro, as nuvens menos avermelhadas,
etc. Para Pessoa, neste seu conjunto de poemas, consegue-se uma completa abstracção
de tudo isso. Para ser sincero, eu próprio me parece difícil que Pessoa o tenha
alguma vez conseguido. (Afinal ele também escreveu: “O poeta é um fingidor,
finge tão completamente...”) Mas enfim, ele o diz. E com isso pretende
dizer-nos que desse modo - e só desse - podemos atingir aquele estado contemplativo,
numa calma absoluta, num verdadeiro êxtase perante a tal Natureza que ele
também confessa não existir como conjunto, que nada mesmo pode ser um conjunto
e que todas as coisas são apenas elas próprias e só assim as devemos abordar. Só assim teremos aquela paz de espírito que ele diz ter alcançado ao vestir-se
de Alberto Caeiro. E no entanto em alguns dos seus poemas que convidamos quem
nos lê a procurar neste livro, pareceu-nos – e não só a mim – que ele estaria
um pouco triste. Esta edição que agora aparece inclui um admirável Prefácio e
sobretudo um Posfácio da autoria de Pedro Sinde, Licenciado em filosofia, um
fervoroso analista destas questões literárias que muito ajudarão o leitor a
absorver o quanto significam estes 49 poemas e como talvez nos possam levar a
atingir o mundo pessoano. Pedro Sinde diz nomeadamente que “há versos (…) que
são um bálsamo para a alma” e que “a
poesia de Alberto Caeiro parece brotar de uma certa atitude de alma, a que
chama «pasmo essencial», e que resulta num modo especial de ver o mundo ou
naquilo a que poderíamos chamar uma arte de ver”. Por mim, que nada sei,
fico-me por aqui com o habitual convite: