Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


O LIVRO DA CONSCIÊNCIA
António Damásio
Temas e Debates – Círculo de Leitores

O mundialmente reconhecido neurocientista que há muitos anos saiu de Portugal e resolveu radicar-se nos Estados Unidos onde ocupa actualmente o lugar de Professor da cátedra de Neurociência, Neurologia e Psicologia da Universidade de Southern California, onde dirige o Brain and Creativity Institute, há mais de 30 anos que juntamente com sua mulher Hanna, também neurocientista, estuda a mente e o cérebro humanos. As suas investigações e os livros publicados mereceram os mais variados prémios e distinções entre os quais o Prémio Príncipe das Astúrias e recentemente o Prémio Internacional Honda Prize pelo esforço pioneiro e notável no domínio da Neurociência. Notavelmente reconhecido pelo público e pela crítica logo a partir do seu primeiro livro o Erro de Descartes (Damásio defendeu que contrariamente à afirmação “Penso – Logo existo” o que faz sentido é dizer “Existo – Logo penso”), seguiram-se O Sentimento de Si e Ao Encontro de Espinosa. n’O Livro da Consciência Damásio apresenta-nos as suas reflexões sobre como é que o cérebro constrói a mente e como é que torna essa mente consciente. No entanto ele próprio confessa que “seria disparatado partir do princípio que é hoje possível obter uma resposta definitiva”. Claro que existem diversas teorias antigas e recentes que abordam os problemas relacionados com essas questões e sobretudo de que forma nascem os sentimentos e tentam explicar a complexidade da real formação daquilo a que cada um de nós chama o nosso “eu”. Mas Damásio vai por outro caminho e além de nos explicar com uma clareza acessível aos leitores comuns a forma como é construída a estrutura do cérebro de forma a que seja possível a existência de um ser consciente e a formação dos mais variados sentimentos, está ao mesmo tempo a estabelecer a ligação possível entre a biologia e a cultura. É curioso o autor ter colocado na epígrafe um poema de Fernando Pessoa que, como ele afirma, tanto trabalhou a consciência. “Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos a tangem, cordas e harpas, tímbales e tambores dentro de mim. Só me conheço como sinfonia” (do Livro do Desassossego). E também cita o grande físico Feynmam: “O que não consigo construir não consigo compreender”. É como se afinal se tratasse de uma tentativa para ir mais além e descortinar o que nos obriga a desconhecer. E para isso nada melhor do que analisar os dados conhecidos, reflectir sobre eles e no fundo, como confessa, chegar à conclusão de que há muita coisa que não sabemos mas gostaríamos muito de saber. Uma coisa é certa. O livro está repleto de conhecimentos que nos ajudam a compreender melhor esta quase crise existencial que nos seria apetecível entender de facto mas apenas está a uma certa distância de lá chegar. E sobretudo aprende-se muito com este livro de Damásio. Ele não é apenas o professor a falar para os seus alunos da Universidade numa aula de neurociência. Ele está connosco, mesmo os que possam não saber nada do assunto, de como as células ou os mais pequenos organismos possuem estruturas específicas para seguir em determinada direcção – porquê uma e não a outra. Mas mesmo sem ir por aí, questões como a razão porque nem sempre o nosso eu controla as nossas decisões, mistérios que podem ser desvendados, podendo embora conduzir a outros para os quais não conhecemos o significado. O brilhante neurocientista ensaia a relação entre sentimentos e consciência. Nem sempre o que parece óbvio culmina na verdade. Não me atreveria a dizer que o autor chegaria à conclusão socratiana de “só sei que nada sei”. E é precisamente pelo seu saber, pela sua investigação e pelo que nos revela neste livro tão magnífico que vale a pena lê-lo. Aprendemos de facto, sobretudo os que nada sabem. Vai ser um novo êxito editorial. Disso estamos certos.

Para ler um excerto deste livro clique aqui