Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


JOSÉ SARAMAGO – Biografia
João Marques Lopes
Guerra e Paz Edições

Esta é uma “pequena” Biografia de José Saramago (“pequena” porque tem apenas 165 páginas sobre a vida de uma grande Homem). Isso não desmerece, naturalmente, o autor nem o biografado. Foi escrita e publicada antes do falecimento do Nobel da Literatura Portuguesa. Entre os títulos já publicados pelo autor, Licenciado em Filosofia pela Universidade de Letras de Lisboa, contam-se as biografias de Almeida Garrett, Eça de Queirós e Fernando Pessoa. Mas esta é na verdade a primeira biografia de um dos escritores mais importantes da Literatura Portuguesa. José Saramago nunca escondeu, antes pelo contrário, os primeiros anos da sua vida nascido na Aldeia da Azinhaga, Golegã, num meio dos rurais mais desfavorecidos, numa casa de terra batida que já pertencera ao seu avô, guardador de porcos. Nas muitas crónicas e artigos que escreveu, sempre relatou em pormenor as dificuldades passadas nesses primeiros anos, assim como viria a contar, ao mesmo tempo que comentava episódios da actualidade com aquela independência e agudeza que sempre caracterizou a sua obra, momentos difíceis da sua meninice que por vezes chegavam a ser apresentados com certa nostalgia como se afinal tivessem sido importantes – e foram certamente – para a sua formação intelectual. É que ele também tivera os seus sonhos como qualquer criança e sobretudo aprendera a conhecer o que significa a existência da desigualdade que separa os homens entre si. Mais tarde, quando desempenhava funções no Diário de Notícias, saía ao fim da tarde para ir passar longas horas, até lhe ser permitido, numa das salas de Leitura do Palácio Galveias, devorando as mais variadas obras dos grandes escritores e pensadores, o que de certo contribuiu para o conhecimento mais profundo do significado da vida e dos verdadeiros valores humanitários. Adorado por muitos e odiado por alguns que nunca aceitaram a sua independência e a sua defesa dos valores em que acreditava, combatendo a mentira e a falta dos mais elementares princípios éticos, Saramago permaneceu igual a si próprio até aos últimos momentos. Como já aqui dissemos neste mesmo espaço do AMOR PELOS LIVROS, no próprio dia em que viria a falecer, ao escutar os comentários feitos por alguns dos seus amigos que em voz baixa, num recanto do quarto onde ele se encontrava deitado, falavam sobre a crise actual, Saramago ainda foi capaz de juntar o seu, dizendo: “Não se trata de uma crise económica mas de uma crise de valores”. Que lucidez extraordinária a daquele homem ao qual restavam apenas algumas poucas horas de vida. Mas afastei-me da essência desta Biografia publicada antes da sua morte e à qual só agora tive acesso. É a Biografia possível para definir perfeitamente o que foi o seu trajecto de vida, a sua acção em defesa dos ideais muito próprios em que acreditava, um pouco do histórico do muito que deixou escrito, para além dos seus livros memoráveis, em jornais e revistas da época, em Portugal e nos outros países. O autor relembra portanto para além das suas obras mais significativas, as crónicas no “Jornal do Fundão” e na “Capital” ou a crítica literária que fazia na “Seara Nova”. Em todo esse vasto mundo que descrevia e nos personagens que criou, Saramago mostrou o reflexo de muitas das suas lutas, das afrontas de que foi alvo por pensar como pensava e escrever como pensava, sempre fiel à verdade em que acreditava e desmascarando o que muitas vezes se esconde sob falsas crenças e atitudes. Faltará por certo escrever a grande Biografia da sua vida, para tornar mais fácil o muito que ele próprio deixou escrito sobre ela. Mas esta Biografia de João Marques Lopes merece ser lida por quem queira conhecer o essencial do seu trajecto até praticamente aos últimos dias da sua vida.

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