Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


OS DONOS DE PORTUGAL
Jorge Costa, Luís Fazenda,
Cecília Honório, Francisco Louçã,
Fernando Rosas
Edições Afrontamento

Julgo que serão poucas as pessoas que possam interrogar-se sobre o que significa de facto este título, apesar de alguns dos seus autores serem bem conhecidos da vida Política e Universitária. Não vou portanto debruçar-me sobre ideologias ou tendências políticas de cada um deles. Estamos perante um trabalho que julgamos criterioso e honesto das relações entre a vida política e o capital. Se alguém tivesse dúvidas sobre o que é isto de existirem Donos de Portugal afirmando que donos somos nós todos ou o Estado, que somos nós, ou então que é isso de existir um governo que numa república democrática também não deverá ser dono desse país e portanto não deveria haver donos porque ninguém, pelo menos após o 25 de Abril, poderia ser dono de Portugal. Ora é precisamente aí que nos enganamos. Existem de facto diversas personalidades – se assim lhes podemos chamar – que são de facto donos do nosso país. Donos porque são eles afinal que detém o poder, que tomam decisões que nos afectam, que se colocam acima de qualquer outra entidade que até pode ter sido eleita para nos governar. E o curioso é que, como os autores muito bem o demonstram, tem sido sempre assim. E alguns dos donos actuais descendem mesmo de outros donos de algumas décadas passadas. Este livro apresenta-nos a história da acumulação da riqueza e do seu poder desde 1910 até ao presente. De como nasceu, como foi protegida, como se protegeram entre si, como efectuaram ligações matrimoniais para garantir ainda maiores lucros e mantê-los confinados a uma burguesia que foi engordando cada vez mais sem se preocupar com o facto de ter explorado o trabalho de outrem em seu único proveito. Claro que tal só foi possível através de favorecimentos e privilégios que lhes foram concedidos por razões óbvias de contrapartidas e compadrios que acabavam sempre por aumentar o número dos detentores desse poder sobre o país. Se antes do 25 de Abril, eles seriam em menor número, sofreram nos primeiros anos da revolução um ligeiro desaire mas regressaram em força e aumentaram de sobremaneira a sua capacidade de domínio, atingindo hoje um escandaloso número muito elevado de algo a que alguém já chamou – não é o caso deste livro – a máfia portuguesa. Dos tabacos às lotarias da finança, acumulando latifúndios cada vez mais vastos, foi ao longo das décadas um acumular de riquezas sem modernizar, que aliás dá o título ao capítulo II deste livro. Aproveitamento da mão-de-obra barata, tudo sob a complacência dos governantes. Decidi não citar aqui nomes bem conhecidos das várias famílias que enriqueceram e enriquecem actualmente, sendo-lhes permitidos todos os processos na sua ascensão que parece – e insisto que parece - não ter fim. Um dos autores, dirigente político de esquerda adiantou numa entrevista que "Os donos de Portugal são os donos dos governos”, “uma história permanente do apoio do Estado à formação da riqueza”. “É uma oligarquia financeira fortíssima, protegida pelo Estado, apoiada pelo Estado, financiada pelo Estado, vivendo de rendas do Estado, uma grande família que tem dominado Portugal ao longo de 100 anos”. As fortunas das famílias citadas neste livro – nomes bem conhecidos de todos nós – na banca, nos seguros, no sector auto, no cimento ou nos adubos, no imobiliário e no turístico, no grande comércio como no petróleo e por aí fora, são feitas por vezes através de cruzamentos entre elas, vendas e compras de acções, dinheiro que rende lucros de milhões de euros, ao passar de mão em mão, por vezes no espaço breve de alguns meses. No entanto não se conhece muito bem onde acaba por ir parar. Será que é mesmo dinheiro? Nomes que fizeram parte de recentes governos encontram-se à frente de grandes empresas, curiosamente em muitos casos ligadas ao estado. Inalamos um cheiro acre a pura corrupção. Os valores esquecem-se. E de facto parece que tudo se processa como uma continuidade que vem de há muto neste país, com ligações externas, claro, porque isso lhes convém. Dentro e fora, protegem-se uns aos outros. Esta obra, ao traçar como a força económica foi dominante ao longo de cem anos da nossa história, apesar de todas diferenças no contexto político recordou-me algo que muitas vezes me chega à memória recente onde aquele que a si próprio se denominou Presidente do Conselho e se julgava ser o único dono de Portugal, já permitia à sua volta alguns senhores da alta burguesia que enriqueciam os bolsos e que hoje ainda fazem parte de uma faixa de grandes fortunas que se tornou mais vasta e poderosa, pois o chamado capitalismo liberal o permitiu. Na minha modesta opinião, apesar das diferenças que encerram em relação naturalmente ao nosso estado democrático e a muitos outros países do ocidente, os recentes acontecimentos no Egipto e o despontar de outros semelhantes em países árabes seus vizinhos, demonstram que chega sempre um momento em que os povos resolvem erguer a sua voz e dizem “basta”. Abaixo os donos que lhes tiram tudo a que têm direito e não lhes é permitido. E mais ou menos pacificamente, se possível, o tempo acabará por chegar. Vale a pena conhecer “Os Donos de Portugal” e compreender como foi possível que eles se fixassem e se agarrassem como lapas à sua rocha dourada. A maré chegará um dia, que pode não estar assim tão longe, para os varrer.

Para ler um excerto desta obra clique aqui.