Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


MEMÓRIAS VIVAS DO JORNALISMO
Fernando Correia & Carla Baptista
Ed.Caminho

Do amor à profissão ao Amor pelos Livros, é perfeitamente lógico que este livro teria que merecer aqui um destaque especial. E não sei bem o que mais admirar. Por um lado, temos a criteriosa escolha que foi feita pelos autores para ouvir as memórias de jornalistas que já vêm de época recuada, concretizando nestas "Memórias Vivas do Jornalismo" um velho sonho de realizar uma antologia com os entrevistados possíveis e nem sempre obedecendo – como eles próprios confessam na Introdução - a uma estrutura de certo modo cronológica, partindo por exemplo de como acontecia o acesso à profissão, sem que existissem escolas de jornalismo, e depois saltando para descrições de episódios vividos pelos jornalistas, relacionando a sua vida privada com a profissional e com o clima que preenchia o ambiente de trabalho e o da vida política e económica do país. Por outro lado temos as várias descrições feitas por grandes nomes do jornalismo português como, sem desprimor para os não citados, Acácio Barradas, Edite Soeiro, José Carlos Vasconcelos, Manuela de Azevedo, Mário Ventura Henriques, Pedro Foyos ou Urbano Tavares Rodrigues. As relações com as chefias, a escolha das notícias, o envio delas pelos órgãos estatais, as declarações dos políticos, os castigos, a censura ou as tarefas atribuídas às diversas categorias profissionais e ao modo como se ascendia na carreira, tudo isso reflecte um manancial informativo da forma como era feita a comunicação impressa e radiofónica ou televisiva. Da caneta com aparo à máquina de escrever foi um caminho repleto de curiosidades pois ao mesmo tempo que representava a evolução pareceu-nos a nós, que também o vivemos e agora recordámos, representar igualmente um certo tipo imposto de estagnação que alguns jornalistas tentavam a todo o custo vencer. Mas … e é isso que convidamos na leitura desta obra … há muito mais a descobrir ou recordar.
Não querendo comparar-me, em termos de notoriedade ou de importância no jornalismo, aos colegas entrevistados e que com isso deram o seu valioso contributo a este livro, resolvi deixar aqui um episódio dos muitos que vivi na então Emissora Nacional. Entrei para a Estação Oficial devido a um artifício do meu nome oficial que ao tempo não incluía Montalverne como apelido o que só veio a acontecer tempos depois de já lá estar. Mas isso é outra história que já foi contada em várias ocasiões. Não se trata de o ter adoptado mas precisamente porque é essa a família que me criou desde os 2 meses mas tendo sido registado pelos P. biológicos com outros apelidos que eram de facto os oficiais. Desse modo a Polícia política não detectou na minha entrada para a E.N. que eu era o jovem Montalverne procurado pela PIDE nos tempos do Liceu e da Faculdade (em que o usava em listas da oposição ao regime). Também aí não me detectavam como pouco inteligentes que eram. Um dos dois nomes próprios era igual. Mas não havia computadores. Como já se adivinhou toda a minha família real (não biológica) - e eu desde muito novo - pertencíamos à oposição. E haveria de ir parar à estação oficial pelo gosto que tinha pela Rádio. Lá também tínhamos um grupo que reunia às escondidas, altas horas num estúdio. Mas afastei-me do episódio, apesar de ser necessário, para o entender melhor, explicar as ideias que defendia. Liberdade, defesa dos direitos humanos, Paz e igualdade para todos…e tudo o resto que era a luta contra o ditador e os seus sequazes. E afinal onde eu tinha ido parar! No meu carrito, que tinha conseguido comprar em segunda mão, colocara um dia a meio do vidro traseiro, um autocolante bem visível com o conhecido símbolo criado por Bertrand Russel e as palavras “Fate l’Amore non la Guerra”, que ainda hoje, velhinho, conservo.

Poucos dias depois fui chamado pelo Director de Programas, cujo nome não importa revelar, mas que era totalmente afecto ao regime salazarista. Avisou-me então de que aquele autocolante no meu carro não lhe parecia muito indicado para um funcionário da EN e que poderia vir a ter alguns dissabores por isso mesmo. Respondi que não, não era nada do que ele pensava, Eu apenas preferia o amor à guerra, nem sabia quem era Bertrand Russel e achara piada ao autocolante. E resolvi não o retirar. Passadas algumas semanas, fui novamente chamado. Dessa vez, o aviso foi de tal modo insidioso sobre o que me poderia vir a acontecer que, ao voltar a casa e pensando no meu futuro e no da família, arranquei o autocolante que ainda hoje conservo. Este foi apenas um dos muitos sapos que tive de engolir naquela casa até ao dia 25 de Abril. Ainda havia de passar pelo episódio do enterro do Ditador para o qual levava apenas umas palavrinhas escritas muito bem pensadas e simples, quando de repente ao terminar o texto, o assistente me diz que tinha de continuar porque o caixão parara à porta onde eu estava. Havia que dizer mais alguma coisa dali. De improviso, escorreguei nas palavras, lentamente para ganhar tempo, descrevi o que ia vendo e falei nas criancinhas (que tinham sido postas, claro) à volta do caixão e “que ele tanto amava”, etc. etc. Imaginem! Que ele tanto amava. Como se ele amasse alguma coisa que não fosse as suas, tão faladas hoje em dia conquistas amorosas. E assim, por essas exactas palavras, que os militares foram detectar na gravação feita e apesar de toda a comissão de trabalhadores e outros testemunhos apresentados demonstrarem a minha maneira de pensar, ainda fui suspenso 8 dias, para dar o exemplo (foi a razão apresentada) e poder castigar outros que de facto eram afectos ao regime. Coisas da história deste simples jornalista que apenas se conseguia aguentar naquela casa por ser essencialmente escolhido para tratar temas de Ambiente, Natureza, Ciência e pouco mais.
Mas neste livro vão encontrar histórias muito mais interessantes do que esta e que demonstram a verdade de como era feito o Jornalismo nos anos 60, década que os autores escolheram pela importância social, política e económica desse período para o nosso país. E no caso do jornalismo um clima profissional com características únicas.

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