O “GRANDE JORNALZINHO”
DA RUA
DOS CALAFATES
Pedro Foyos
Este “Grande
Jornalzinho” é o “Diário de Notícias”. E nasceu na Rua dos Calafates. O livro é
a história dos seus primeiros anos desde que aquela folhinha, saiu à rua a 29
de Dezembro de 1864, composta por alguns dos mais ilustres tipógrafos daquele
tempo, concretizando o sonho do seu director Eduardo Coelho. Foi precisamente
há 150 anos. Comprometia-se então, como aliás estava escrito numa pequena
coluna, curiosamente à esquerda, e dirigida “Ao público”, a “interessar a todas as classes, ser
acessível a todas as bolsas e comprehensível a todas as intelligências” e mais adiante afirmando concisamente
como aliás também prometia ser “um
jornal de todos e para todos”. Livro profusamente ilustrado, com
reproduções e desenhos que ilustravam nesse tempo alguns dos artigos antes de,
a seu tempo, virem a ser substituídos pelas primeiras fotografias dos
repórteres. E depois a mudança para o edifício da Av. da Liberdade,
curiosamente após ter sido dado o nome de Rua do Diário de Notícias à Rua dos
Calafates em
pleno Bairro Alto. Enfim, um olhar
criterioso, profundo, histórico, rico de imagens e factos para relembrar ou dar
a conhecer a muitos dos que nas últimas décadas não se dariam conta do que foi
essa jornada tão cheia de grandes personalidades da literatura e da arte desse
tempo que podemos agora acompanhar com todo o pormenor. E quem melhor do que um
homem como Pedro Foyos, grande jornalista com uma notável carreira
profissional, tendo integrado a chefia da Redacção do "Diário de Notícias", após catorze anos como redactor do "República" (único diário de oposição à Ditadura, dirigido pelo democrata Raul Rego), escritor de várias obras, não só da historiografia da
imprensa como também de ficção, director de várias revistas periódicas,
nomeadamente de fotografia, para nos dar esta “obra deliciosa e didáctica” nas
palavras de Ernesto Rodrigues, “magnífico e tão necessário relato para a nossa
memória colectiva”, segundo a jornalista e escritora Edite Esteves? Arriscamos
dizer que, tal como está delineado, o rigor e a forma como nos descreve no
essencial dos pormenores, na identificação de lugares e de grandes personagens
que se cruzaram na intensa vida deste grande jornal diário que começou a ser
vendido por dez reis, uma simples moeda daquele tempo, e que, tal foi o
interesse com que foi recebido, quase duplicava a sua tiragem dos primeiros
5.000 exemplares para os 9.600 ao fim de um ano, não conhecemos ninguém que
igualasse esta proeza jornalística. O autor descreve o ambiente que rodeava o
aparecimento do “Grande Jornalzinho”, como foi designado pelo escritor Bulhão
Pato.
Não esqueçamos
que se vivia a Monarquia com o Rei Dom Luiz, só uma minoria de vinte por cento
da população urbana estava alfabetizada mas para esses a compra daquela nova
publicação diária, se bem que a sua compra constituísse um acto de certo modo
social, era também o acesso ao prometido mundo cultural que se anunciara no
acto inaugural e ao relativo conhecimento da actualidade dentro e fora do país,
pois apenas uma década passada e aparece pela primeira vez e na primeira página
um mapa do Theatro da Guerra Russo-Turca. Aparece o verdadeiro jornalismo
gráfico com as primeiras reportagens ilustradas por meio de desenhos. E esse
foi um esforço conseguido pelos responsáveis da redacção e seus colaboradores.
A leitura desta obra, acompanhada pelas ilustrações desse tempo e depois as
fotografias passadas a desenho, mais tarde à sua própria impressão marcando a
chegada dos repórteres fotográficos ao mundo da imprensa diária, torna-se uma
viagem fascinante que acompanhamos com redobrado interesse. Quase conseguimos
assistir, em directo, ao que aconteceu na redacção do jornal quando, já fechada
a primeira página, a notícia do regicídio lança um verdadeiro alvoroço entre
jornalistas e tipógrafos (não esquecer que se vivia ainda na época das letras
de chumbo alinhadas cuidadosamente para se proceder à impressão gráfica). Mas o
jornalzinho acabou por sair à rua ostentando no cabeçalho o “Gravíssimo
attentado contra a família real”. Recorda-se a criação dos jornais infantis
lançados pela administração. Pessoalmente, vou recordando um pouco da minha
infância. Mas não só. Algo me liga também a esse tempo, até porque o director
do “Cavaleiro Andante”, o escritor e poeta Adolfo Simões Muller, é de certo
modo meu familiar. Vamos assistir também à aparição do ardina na cidade, os
rapazes que distribuíam os jornais, correndo pelas ruas, subindo às encostas, a
todos levando as últimas notícias. Pedro Foyos reserva também algumas
riquíssimas páginas para nos dar, desde 1865 com o “Assassinato do Presidente
Lincoln” a 1933 quando a “Fina Flor da Sociedade Portuguesa vem de longe para
visitar a Feira do Campo Grande em Lisboa”, uma série de pequenas e grandes
notícias que talvez estivessem perdidas no tempo se não estivessem agora aqui
reproduzidas, todas elas acompanhadas das respectivas ilustrações desse
tempo, assim como do seu descritivo temporal feito agora pelo
autor. E isso também faz deste livro um documento valioso para a história
do Jornalismo em
Portugal. Mas a pérola, ou - como é costume dizer-se - a
cereja no cimo do bolo, ainda fica reservada para o final, onde podemos ler uma
curiosa entrevista póstuma a Eduardo Coelho, cofundador e primeiro director do
“Diário de Notícias”, da autoria de Maria Augusta Silva, jornalista e escritora
de reconhecidos méritos, esposa de Pedro Foyos, resultando de uma proposta
feita em 1984 ao director Mário Mesquita e que a insigne jornalista consegue
dar-nos, após pesquisa e consulta a inúmeros textos do primeiro director do
Jornalzinho, neles se baseando para ser, ao invés do habitual, conduzida às
perguntas que lhe deveria fazer. Espero ter conseguido demonstrar, com a minha
humilde análise a esta obra, o interesse que ela representa no panorama
literário português, o seu valor e quanto merece ser lida e apreciada.
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