Mais um dos muitos
livros que assinalaram as comemorações dos 40 anos do 25 de Abril havia que
colocar neste meu espaço onde já estão igualmente as capitãs de Abril. E mais
uma vez, pelas mesmas razões. Tal como no anterior existia uma
locutora/apresentadora, desempenhando funções idênticas às minhas, também nesta
obra que hoje aqui deixo, ela se identifica com a profissão que exerço. É da
responsabilidade de dois jornalistas, António Luís Marinho e Mário Carneiro,
baseando-se nos excertos retirados de dois prestigiados órgãos da comunicação
social:
Diário de Notícias
e a Revista Flama, por coincidência dois em que também eu próprio colaborava
regularmente, como jornalista que sou. Existe também portanto uma razão que me
levaria, se outras não existissem – e é claro que existem – para aqui trazer
outra das muitas obras que então se publicaram a respeito do 25 de Abril.
E de facto, como os
autores salientam no prefácio, “se o 25 de Abril não tivesse acontecido naquele
ano de 1974, este ficaria na História por outras e muitas variadas razões,
desde as muitas celebridades que nele nasceram entre os quatro mil milhões que
marcavam o também Ano Mundial da População, aos casos mediáticos da Índia se
ter tornado a sexta potência nuclear do Mundo ou de um senhor desconhecido ter
inventado aquele papelinho amarelo que se chama post it ou ainda de um outro
que ao passar com a mão na areia da praia inventou o chamado código de barras
que pela primeira vez foi experimentado e lido num pacote de pastilha elástica.
Mas para todos nós, portugueses, 1974 foi o ano em que Abril nasceu ou melhor,
como dizem os autores deste livro, “… o Ano que começou em Abril”. E a
expressão está mais que correcta porque Abril era desde há muitos anos desejado
e esperado pelo povo. Vivendo sob uma ditadura violenta que lhe retirava todos
os direitos, desde a saúde à educação, martirizando e torturando aqueles – e
foram muitos – que lutavam para derrotar esse regime, a grande maioria da
população portuguesa esperava que numa qualquer madrugada, esse Abril nascesse.
E essa grande alegria, que viria a devolver-nos a liberdade tão esperada,
aconteceu exactamente numa madrugada do ano de 1974.
Tudo aconteceu,
como se fosse de há muito minimamente preparado. A muitos terá parecido fácil.
Foi a revolução dos cravos. Uma revolução de flores, onde não foi necessário
que as armas disparassem. Um cravo no cano de uma espingarda tornou-se um
símbolo que haveria de fazer nascer sorrisos nos rostos por onde tinham passado
muitas angústias e corrido muitas lágrimas. Eu próprio sentira no seio da minha
família as garras da Pide que numa das muitas vezes em que o meu Pai fora
preso, esteve um mês encerrado na prisão da Torre do Bugio, com água até aos
joelhos. E também comigo, a aventura principiaria bem cedo, antes das
perseguições que a polícia política haveria de fazer a alguém cujo nome, não
totalmente fictício, não aparecia exactamente do mesmo modo nos registos do
Liceu ou da Faculdade. Mas isso é outra história que um dia talvez venha a
contar. Apenas com três anos de idade, uns polícias pidescos retiraram-me do
berço onde dormia, altas horas da noite, na nossa casa de Campo de Ourique,
pensando que nela iria decorrer uma reunião e que debaixo dos lençóis alguém
mais importante do que a criança que eu era estaria escondido. Mas voltemos a
este livro que vai ficar como documento completíssimo de todo esse período que
começa em Janeiro e termina em Dezembro de 1974, pleno de fotografias e notícias
dos referidos Jornal e Revista, evocando na devida altura a grande história do
nascimento de Abril, o antes e depois do grande dia 25, que todos nós não
esqueceremos nunca mais.
O modo como os dois
autores resolveram apresentar as imagens e excertos recolhidos dos ficheiros da
Biblioteca Nacional, juntando-lhes os devidos comentários e descrições ao longo
das cerca de 400 páginas que constituem este livro, permitem-nos de uma forma
extremamente eficaz mas ao mesmo tempo simples, reviver o antes e o depois
daquele período que foi considerado por muitos analistas internacionais um dos
mais extraordinários exemplos de como um país se consegue libertar do atroz sofrimento
a que esteve submetido durante largas décadas perante um poder absoluto onde
reinava um ditador que envelheceu numa cadeira, rodeado apenas de alguns poucos
amigos que alimentava com mordomias várias mas que a ele obedeciam cegamente,
seguindo as suas ordens desumanas e terríficas. Este livro é o retrato fiel de
como vivíamos nesses meses que antecederam o 25 de Abril, no auge de uma guerra
colonial que continuava a levar os nossos jovens para o além mar, em defesa de
territórios onde os grupos de libertação eram chamados de terroristas, enquanto
nesta pátria empobrecida imperava a exploração do trabalho infantil, se proibia
tudo o que pudesse relacionar-se com o sexo ou a igualdade de direitos da
mulher. Mas algo se preparava de facto e o livro de um general do regime causa
sensação e atordoa os membros do governo. “Portugal e o Futuro” escrito pelo
General Spínola era um desafio sério à política do governo. Mas para quem se
tenha esquecido, ele confessaria depois numa entrevista à Televisão Francesa
que não considerava que contivesse quaisquer divergências com a política
portuguesa. É bom que seja recordado, como fizeram muito bem os autores. E
depois, tínhamos também as célebres “Conversas em Família” nas quais Marcelo
Caetano tentava convencer-nos de que tudo estava a correr pelo melhor ou de que
a sua política estava ao lado do povo. Não era assim de facto. E o povo saiu à
rua, juntamente com o movimento dos militares de Abril, para o retirar e à sua
equipa do Quartel do Carmo onde se tinham refugiado. Relembra-se também nestas
páginas o que foram as comemorações do dia 1 de Maio na Alameda Afonso
Henriques, juntando mais de um milhão de pessoas, comparadas, segundo escrevia
o DN, às que marcaram a célebre libertação de Paris. “1974 – o Ano que começou
em Abril” fica de facto para a história como documento único que marca de forma
excepcional, através dos registos documentais, um ano memorável para o nosso
país.