Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


O PARADOXO DO AMOR
Pascal Bruckner
Publicações Europa-América

Este livro é mais uma contribuição valiosa para conhecermos melhor o porquê do Paradoxo do amor, assim conhecido e definido por ele se contrariar a si próprio. Acontece, tem a sua duração mais ou menos limitada e depois, talvez devido a uma contrariedade ou mais do que uma, provocada por certas inibições no comportamento normal do ser humano, desvanece, passa por fases mais obscuras ou mesmo desaparece. E afinal terá sido sempre assim? O amor de hoje é diferente do de outros tempos? Como seria no homem primitivo? E como classificar os mais diversos tipos de amor, o amor materno, o amor por um Deus, o amor à vida, o amor aos outros? Será que nestes casos também se perde alguma coisa, em troca? Mas vejamos o que a maioria pensa.
Qual de nós não tem uma opinião sobre o significado do Amor? Todos aspiram a vivê-lo um dia ou a continuar a vivê-lo para aqueles que julgam – julgam digo bem – ter encontrado já esse sentimento e estar a desfrutá-lo. Os adultos recordam com certeza as histórias dos livros infantis sobre um príncipe e a sua amada que terminavam todas de igual modo com aquela frase “e viveram felizes para sempre”. Significava isso que o seu amor não terminaria nunca. Os jovens de hoje já não lêem essas histórias e até sabem que o amor chegará mas não têm a certeza de que durará para sempre. E no entanto, assistimos a entrevistas com idosos que dizem que já vivem felizes há muitos anos, vivendo intensamente o seu amor. Claro que poderá haver excepções. Mas a regra não é de facto essa. O amor desaparece mais tarde ou mais cedo e fica qualquer coisa que muitos intitulam de amizade. E daí a confusão. Porque será que amor morre? Se é que morre. Depois temos os romances imortais de Romeu e Julieta, Orfeu e Euridice e muitos mais. Grandes amores sem dúvida, embora ficcionados, mas com um final infeliz. Temos também os poetas que nos falam do verdadeiro amor, que dedicam os seus poemas aos seus entes queridos, desejando amá-los para todo o sempre. Enleados em tudo isto e muito mais, para não nos alongarmos, vamos formando pessoalmente a nossa opinião. E no entanto não conseguimos explicar porque razão é que ele desaparece. Sabemos que é mentira ao que nos conta a História sobre os Grandes Amores. Sabe-se agora que não terá sido totalmente como nos contaram os amores entre D. Pedro e D. Inês. Já há largos anos que deixou de ser tabu falar no sexo e utiliza-se também o termo amor carnal. Para o diferenciar – diz-se – do amor platónico, sendo que esta expressão não tem nada a ver com o conceito de amor na filosofia de Platão. Mas adiante. O que será que este autor nos diz mais do que outros que o antecederam? Ao longo dos tempos muitos têm sido os autores que se têm debruçado a explicar o paradoxo do Amor. E para além do amor entre dois seres humanos sempre aproveitaram naturalmente para falar da parte mística, do amor divino respeitante ao que pode existir numa qualquer religião. Só para citar um caso, Vaugham Lee debruçou-se mesmo sobre os sufistas de uma ordem Islâmica persa Naqshbandi apresentando as razões da existência também do paradoxo do amor divino. E também ali, como nas restantes religiões, o amor ao outro confunde-se com a perda da liberdade. Ora se quem ama o divino deverá ser amado por Ele, porquê então esse Ele lhe vai proibir a liberdade. E a história que aproveitámos para exemplo, todos a conhecem repetida nas restantes religiões. Mas falemos deste livro de Pascal Bruckner que não deixa igualmente de referir as contradições ou paradoxos dentro da religião cristã, chegando mesmo a citar Santo Agostinho a respeito do problema da sexualidade. O Santo imaginava as cópulas de Adão e Eva no Paraíso antes do pecado original e inventa mesmo a sexualidade sem libido. Mas para o autor como para todos nós, isso nada tem a ver com o significado do amor verdadeiro, total. Bruckner não deixa, é claro, de nos recordar, relatando com factos históricos a evolução ou revolução que aparece na nossa sociedade, principalmente a partir das ideias do Maio de 68, sendo que algumas permaneceram e foram aceites nos dias de hoje por uma certa camada da população mas ao mesmo tempo condenadas por outra. É que o amor e as relações humanas são de facto a parte mais paradoxal do ser humano. E Bruckner, como outros, refere por exemplo que no amor podemos encontrar ao mesmo tempo a maior das forças e as mais profundas tristezas. Mas contrariamente a outros autores que se interessaram pelo paradoxo do amor no plano geral da humanidade e da falta dela, este ensaísta, várias vezes premiado pelas suas obras, dedica-se sobretudo neste livro ao amor, na sua parte de relação entre dois seres. E não deixa de nos recordar como, contrariamente ao que julgavam os que o conceberam desde Engels a muitos teóricos do século XX, o casamento por amor não veio afinal a contribuir para que acabasse a prostituição e o adultério, tal como a desejada libertação sexual da década 60/70 não iria conduzir-nos ao verdadeiro encontro com o sublime. O curioso é que a conquista a partir do século XVII de se passar a escolher quem amamos e a amar quem nós queremos não nos trouxe a liberdade, salvo naquele pequeno período da revolução de Maio e alguns anos que se seguiram. Será que é assim tão impossível conjugar os dois desejos que nos trariam a felicidade? A solução tem sido encontrada no adultério, tanto do homem como da mulher mas é uma das principais razões da dissolução do casamento. Como encontrar resposta para tantas questões. Desejamos o outro para sermos felizes mas desejamos igualmente a liberdade cuja perda parece ser afinal o preço a pagar pelo amor. Mas se aquele que ama é amado, deveria haver da parte do outro a compreensão e o amor suficiente para o aceitar tal como é, desde que isso nunca atingisse, como por vezes é hoje corrente, o uso da violência. Neste caso, não há amor verdadeiro. Ou será que o amor traduzindo uma certa violência, nos mistérios da posse, para atingir o máximo de prazer se confunde depois com o ultrapassar do humano? Num plano completamente diferente, quase todos os que se têm debruçado a estudar o amor estão de acordo em que apesar de ele poder ser entendido de diferentes formas - e nesse caso teremos de o considerar como algo de abstracto – ele será um sentimento por excelência de todo o ser humano, sendo vital para as nossas vidas, a tal ponto que sem ele não sobreviveríamos. Apesar de se poder morrer de paixão, ansiamos por ela mas desejamos ao mesmo tempo ser livres. Mas a paixão domina. Sabemo-lo todos. Tudo isto faz parte do paradoxo do amor que tem sido intensamente estudado, analisado e exposto. E este livro de Pascal Bruckner, debruçando-se sobre aspectos tão vastos, impossíveis de aqui descrevermos, é um contributo que recomendamos. Não porque se encontre a solução que não parece fácil mas porque é uma obra completíssima para compreendermos a realidade: o homem evoluiu mas o mesmo não aconteceu com o amor. Perante isso, preparemos o futuro.

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