NAS SUAS PALAVRAS
José Saramago
(Ed. Caminho)
Este é, assim o podemos considerar, o derradeiro livro de José Saramago. Numa recolha do que disse ou escreveu, a partir de 167 fontes de entrevistas e livros, feita pelo seu amigo Fernando Gómez Aguilera, poeta, ensaísta e filólogo, apresenta-se, se é que para alguns é necessário, o verdadeiro retrato desse homem que para além de um grande vulto da literatura portuguesa, foi sempre o espelho do que há de mais digno num ser humano. Fiel às suas convicções humanistas de defesa dos direitos do homem, de ser a voz dos mais pobres e sacrificados deste mundo cruel em que vivemos mas também da capacidade de criticar quando entendeu que o devia fazer, sempre considerando que a ética (nas suas palavras) “é a coisa mais bonita da humanidade”, estão neste livro fragmentos do seu pensamento que nos ajudam a entender melhor o que somos como seres humanos.
Esqueçamos as divergências políticas ou religiosas em alguém que sempre pautou o seu comportamento pela capacidade de ser livre e de saber dizer não. Aqui, nestas páginas deste livro, n’As suas palavras, todos podem encontrar o verdadeiro Saramago e talvez até as razões porque teve de escrever sobre assuntos que alguns consideravam – e por ventura ainda consideram – intocáveis. Para ele, que considerava que entre os direitos do homem também pode e deve haver o direito à heresia, arrisco-me a dizer que teria a obsessão de procurar a verdade dos factos e das coisas, o porquê da história contada ao longo dos tempos, uma tentativa de se esclarecer e de esclarecer os outros com algo que poderia muito bem ser a verdade encontrada. Mas Saramago nunca pretendeu impor as suas ideias. Apenas as defendeu com as únicas ferramentas que um ser humano digno deste nome deve usar: a voz e a escrita. Pela escrita recebeu o Nobel da Literatura com o qual honrou mais o seu país do que o impressionou a si próprio, não se preocupando em mudar as suas ideias ou as suas relações com o mundo e com as pessoas. Pela voz foi possível muito mais: denunciar injustiças, fazer a análise crítica das circunstâncias em que o mundo vive e isto em qualquer hora, em qualquer lugar porque, segundo ele, a Vida está sempre noutro lugar e é necessário caminhar ao seu encontro. Foi isso que fez. Caminhou onde quer que fosse necessário. Utilizando as veredas tortuosas que se deparam quando se quer ir mais além, ao fulcro das questões por vezes ocultadas para que dificilmente sejam reveladas as suas pecaminosas origens, Saramago não poupou palavras e revelo-as ao mundo. Aí estão para os que quiserem conhecer a verdade. Saramago ainda conseguiu fazer a revisão deste livro. Pilar del Rio no dia da apresentação da obra, revelou à assistência que enchia a Sala do Palácio Galveias uma frase dita pelo marido pouco antes do seu falecimento, quando juntamente com alguns dos seus amigos se falava sobre a crise actual num recanto do quarto onde o escritor estava deitado, pensando-se até que ele não estaria a ouvir. Mas estava. E então todos o ouviram dizer: “Esta crise não é uma crise económica, é uma crise moral”. Já não foi a tempo de ser publicada nesta edição. Mas sairá na próxima. Medite-se bem nesta verdade com que Saramago resolveu selar os seus últimos momentos, sempre preocupado com o mundo que continuaria a girar mesmo depois dele partir.
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