O CLUBE DA HIPOTENUSA
Claudi Alsina
Planeta
Este Clube da Hipotenusa é mais um livro de Matemática que nos entra pela porta do Amor pelos Livros. E alguns daqueles que aqui regularmente nos lêem pensarão que deve existir uma razão para que eu sinta uma certa inclinação para gostar de livros de Matemática. Se por um lado esse gosto existe, devo confessar que nem eu próprio compreendo a verdadeira razão. A minha formação académica não tem muito a ver com a matemática apesar de hoje se saber – e é verdade – que tudo ou quase tudo tem a ver com ela. Sem a matemática como poderia avançar a ciência? Como seria possível estarmos a percorrer estas auto-estradas da informação? Para tudo afinal existe uma equação que explica os mais diversos fenómenos. E depois existe sobretudo a questão dos números. Mas pessoalmente esta forte inclinação, tanto quanto me lembro, talvez seja explicada por ter sido dos poucos alunos da antiga Politécnica (Faculdade de Ciências de então) que conseguiu ter um 16 na cadeira de Álgebra Superior com o temível e exigente Vicente Gonçalves. Mas entremos então no Clube da Hipotenusa onde o catedrático de Matemática da Universidade da Catalunha nos apresenta “um divertido passeio pela história da matemática através das suas anedotas mais hilariantes”. Claro que umas serão mais hilariantes do que outras, algumas serão meras curiosidades pois nem todas de facto fazem rir mas o certo é adquirirmos conhecimento. Nem tudo aconteceu como pensávamos. Os grandes matemáticos tinham naturalmente as suas fraquezas e algumas não eram assim muito aceitáveis em termos de princípios morais. Mas enfim, os grandes matemáticos eram também homens como quaisquer outros. E não é isso que os fará cair do pedestal. Descem apenas alguns degraus. A propósito sabe quais são os livros que mais se vendem no mundo? Acredito que vai responder: os romances. Pois está enganado. São os livros de Matemática. Bom, mas também fica a saber que antes dos Maias terem “descoberto” Colombo e tudo o mais que o navegador lhes quis mostrar, já 2.000 anos antes os maias iam desenvolvendo um sistema avançado de numeração, de calendário e de cálculo astronómico. Mas entre muitas mais coisas ficará a saber se Arquimedes costumava de facto usar a banheira. Quais as matemáticas aplicáveis às relações sexuais? Porque razão os números foram anteriores às letras? Dois grandes matemáticos resolveram o mesmo problema sem terem notícia um do outro. A qual deles atribuir a descoberta? Enfim, como diz o autor, o Clube da Hipotenusa colocado no meu Amor pelos Livros pode contribuir para romper o tabu das matemáticas antipáticas e apresentar a sua face amável e humana. Divirta-se a lê-lo.
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MEMÓRIAS VIVAS DO JORNALISMO
Fernando Correia & Carla Baptista
Ed.Caminho
Do amor à profissão ao Amor pelos Livros, é perfeitamente lógico que este livro teria que merecer aqui um destaque especial. E não sei bem o que mais admirar. Por um lado, temos a criteriosa escolha que foi feita pelos autores para ouvir as memórias de jornalistas que já vêm de época recuada, concretizando nestas "Memórias Vivas do Jornalismo" um velho sonho de realizar uma antologia com os entrevistados possíveis e nem sempre obedecendo – como eles próprios confessam na Introdução - a uma estrutura de certo modo cronológica, partindo por exemplo de como acontecia o acesso à profissão, sem que existissem escolas de jornalismo, e depois saltando para descrições de episódios vividos pelos jornalistas, relacionando a sua vida privada com a profissional e com o clima que preenchia o ambiente de trabalho e o da vida política e económica do país. Por outro lado temos as várias descrições feitas por grandes nomes do jornalismo português como, sem desprimor para os não citados, Acácio Barradas, Edite Soeiro, José Carlos Vasconcelos, Manuela de Azevedo, Mário Ventura Henriques, Pedro Foyos ou Urbano Tavares Rodrigues. As relações com as chefias, a escolha das notícias, o envio delas pelos órgãos estatais, as declarações dos políticos, os castigos, a censura ou as tarefas atribuídas às diversas categorias profissionais e ao modo como se ascendia na carreira, tudo isso reflecte um manancial informativo da forma como era feita a comunicação impressa e radiofónica ou televisiva. Da caneta com aparo à máquina de escrever foi um caminho repleto de curiosidades pois ao mesmo tempo que representava a evolução pareceu-nos a nós, que também o vivemos e agora recordámos, representar igualmente um certo tipo imposto de estagnação que alguns jornalistas tentavam a todo o custo vencer. Mas … e é isso que convidamos na leitura desta obra … há muito mais a descobrir ou recordar.
Não querendo comparar-me, em termos de notoriedade ou de importância no jornalismo, aos colegas entrevistados e que com isso deram o seu valioso contributo a este livro, resolvi deixar aqui um episódio dos muitos que vivi na então Emissora Nacional. Entrei para a Estação Oficial devido a um artifício do meu nome oficial que ao tempo não incluía Montalverne como apelido o que só veio a acontecer tempos depois de já lá estar. Mas isso é outra história que já foi contada em várias ocasiões. Não se trata de o ter adoptado mas precisamente porque é essa a família que me criou desde os 2 meses mas tendo sido registado pelos P. biológicos com outros apelidos que eram de facto os oficiais. Desse modo a Polícia política não detectou na minha entrada para a E.N. que eu era o jovem Montalverne procurado pela PIDE nos tempos do Liceu e da Faculdade (em que o usava em listas da oposição ao regime). Também aí não me detectavam como pouco inteligentes que eram. Um dos dois nomes próprios era igual. Mas não havia computadores. Como já se adivinhou toda a minha família real (não biológica) - e eu desde muito novo - pertencíamos à oposição. E haveria de ir parar à estação oficial pelo gosto que tinha pela Rádio. Lá também tínhamos um grupo que reunia às escondidas, altas horas num estúdio. Mas afastei-me do episódio, apesar de ser necessário, para o entender melhor, explicar as ideias que defendia. Liberdade, defesa dos direitos humanos, Paz e igualdade para todos…e tudo o resto que era a luta contra o ditador e os seus sequazes. E afinal onde eu tinha ido parar! No meu carrito, que tinha conseguido comprar em segunda mão, colocara um dia a meio do vidro traseiro, um autocolante bem visível com o conhecido símbolo criado por Bertrand Russel e as palavras “Fate l’Amore non la Guerra”, que ainda hoje, velhinho, conservo.
Poucos dias depois fui chamado pelo Director de Programas, cujo nome não importa revelar, mas que era totalmente afecto ao regime salazarista. Avisou-me então de que aquele autocolante no meu carro não lhe parecia muito indicado para um funcionário da EN e que poderia vir a ter alguns dissabores por isso mesmo. Respondi que não, não era nada do que ele pensava, Eu apenas preferia o amor à guerra, nem sabia quem era Bertrand Russel e achara piada ao autocolante. E resolvi não o retirar. Passadas algumas semanas, fui novamente chamado. Dessa vez, o aviso foi de tal modo insidioso sobre o que me poderia vir a acontecer que, ao voltar a casa e pensando no meu futuro e no da família, arranquei o autocolante que ainda hoje conservo. Este foi apenas um dos muitos sapos que tive de engolir naquela casa até ao dia 25 de Abril. Ainda havia de passar pelo episódio do enterro do Ditador para o qual levava apenas umas palavrinhas escritas muito bem pensadas e simples, quando de repente ao terminar o texto, o assistente me diz que tinha de continuar porque o caixão parara à porta onde eu estava. Havia que dizer mais alguma coisa dali. De improviso, escorreguei nas palavras, lentamente para ganhar tempo, descrevi o que ia vendo e falei nas criancinhas (que tinham sido postas, claro) à volta do caixão e “que ele tanto amava”, etc. etc. Imaginem! Que ele tanto amava. Como se ele amasse alguma coisa que não fosse as suas, tão faladas hoje em dia conquistas amorosas. E assim, por essas exactas palavras, que os militares foram detectar na gravação feita e apesar de toda a comissão de trabalhadores e outros testemunhos apresentados demonstrarem a minha maneira de pensar, ainda fui suspenso 8 dias, para dar o exemplo (foi a razão apresentada) e poder castigar outros que de facto eram afectos ao regime. Coisas da história deste simples jornalista que apenas se conseguia aguentar naquela casa por ser essencialmente escolhido para tratar temas de Ambiente, Natureza, Ciência e pouco mais.
Mas neste livro vão encontrar histórias muito mais interessantes do que esta e que demonstram a verdade de como era feito o Jornalismo nos anos 60, década que os autores escolheram pela importância social, política e económica desse período para o nosso país. E no caso do jornalismo um clima profissional com características únicas.
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EFEMÉRIDES ROMÂNTICAS
António Cartaxo
Ed. Caminho
António Cartaxo é uma voz inconfundível na Radiodifusão Portuguesa. Quando o ouvimos, temos de parar seja o que for que estamos a fazer para escutar a "sua" música, a música que as suas palavras introduzem e nos dão de seguida. No seu livro Efemérides Românticas ele reúne agora a vida e a obra artística de seis compositores cujas datas de nascimento ou morte são recordadas entre 2009 e 2011. António Cartaxo é um homem do Amor. Tudo o que tem feito e faz na sua vida é feito com Amor. Estivemos com ele durante largos anos enquanto andavavamos os dois na RDP. E por esse tempo e quando eventualmente nos encontramos hoje, a sua expressão envolvida naquela farta cabeleira que sempre usou, não respira senão amizade leal e sincera. O seu mundo é assim. Que outra coisa poderia acontecer senão ter reunido em livro seis histórias românticas ligadas à música? Albéniz, Mendelssohn, Chopin, Schumann, Liszt e Mahler aparecem-nos na escrita excelente do autor como se estivéssemos lado a lado com eles, vivendo os seus momentos de glória ou de sofrimento, as suas aventuras e desventuras e como é natural o lado intensamente romântico da sua obra, no expoente do período romântico, para alguns deles acompanhado igualmente do romantismo na sua vida privada, sobretudo em Chopin mas também Schumann ou Mahler. Ao lermos este livro notável de António Cartaxo e através da forma como nos apresenta a descrição dos momentos mais importantes da vida dos compositores que escolheu – ou não escolheu porque na verdade eles obedecem a um factor comum – é quase possível, para aqueles que já ouviram as suas obras musicais, como que escutá-las em fundo de mistura com as suas palavras de uma textura cuidada mas fácil. A escrita é fluida e harmoniosa como se estivesse inscrita numa pauta musical. As descrições precisas e preciosas encantam o leitor, fazendo-nos esquecer o tempo que passa. Acompanhamos assim o autor, o músico e a maior parte da obra que nos deixou e que ficará para sempre na História da Música. Estamos de facto “Em sintonia com António Cartaxo” tal como no programa que mantém com esse nome na Antena 2. E que o faça por muitos anos são os nossos desejos. Certamente que tem cativado muita gente que sem ele andaria arredada da felicidade que se tem ao ouvir um bom concerto e as grandes músicas que para sempre serão ouvidas enquanto o Homem habitar este planeta. “Efemérides Românticas” merece assim por todas as razões um lugar de destaque no nosso Amor pelos Livros.
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O SOLISTA
Steve Lopez
Estrela Polar
Já na década de sessenta, quando pela primeira vez visitei Nova Iorque, eu ficara espantado por notar que em algumas das ruas não muito afastadas do centro da cidade também existiam pedintes e mesmo alguns dos chamados “sem abrigo”, tal como no nosso país. Tempos depois, o mesmo iria notar em Londres e noutras grandes capitais dos países considerados ricos. Afinal a riqueza por essas bandas também não era bem distribuída. Vi os “sem abrigo” em Munich e em Berlim, aproveitando as entradas de certos edifícios fechados durante a noite, para ali dormitarem envolvidos em cartonagens. Um jornalista do Los Angeles Times começa por encontrar um motivo para as suas crónicas no Jornal ao cruzar-se à entrada de um túnel movimentado com um estranho músico que soltava de um violino apenas com duas cordas algumas melodias de grandes compositores. Uma pergunta e uma resposta algo desconexa levam-no a pouco e pouco a querer saber mais sobre a vida de um músico (que o era mesmo, ele não tinha já dúvidas disso) vivendo nas ruas agarrado ao seu violino tendo junto dele um carrinho atafulhado de uns velhos cobertores, estranhas caixas e outras velharias. Steve Lopez, o jornalista, alimenta as suas crónicas com as conversas com Nathaniel Ayers. Não era por acaso que ali próximo se erguia uma estátua de Beethoven. Há cerca de 30 anos, Ayers era um aluno de excelência numa das mais prestigiadas academias de Música, um jovem encantador que tocara em pequenos cafés musicais até que fora apanhado por um esgotamento mental. Agora está sozinho e é imensamente desconfiado. Mas Steve Lopez insiste e pergunta após pergunta, em breve começa a nascer entre os dois, apesar da desconfiança de Nathaniel, uma intensa amizade que nos fará compreender o poder redentor da música e a complexidade dos sentimentos quando entram em choque com realidades quase incontornáveis. Desse encontro verdadeiro, na tumultuosa Los Angeles, nasce pela escrita cuidada de Steve Lopez um romance que nos emociona e nos relembra os valores da verdadeira solidariedade que tantas vezes falta no mundo actual. Lopez lutará para que Nathaniel retome o rumo que um dia perdera. Mas será que ele necessita disso? Há momentos dolorosos e de desânimo. A história do sem abrigo que até tinha um curso tirado na célebre Julliard aparece-nos como algo do que não devia acontecer mas que pela força da amizade de quem foi atingido pelos sons de um violino de duas cordas ou talvez, quem sabe, por uns olhos estranhos que contemplavam um vazio, se transforma num hino maravilhoso que consegue enaltecer a verdadeira essência do humanismo. O amor tem as mais diversas facetas e formas de se exprimir. São também histórias de amor como esta que nos são trazidas pelos livros que não podemos nem devemos esquecer. Esta história demonstra-nos que a verdadeira amizade consegue mover montanhas. E por isso ela aqui está.
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