Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


A Terra, Património da Humanidade
A.M.Galopim de Carvalho

Âncora Editora

Naturalmente que existem autores portugueses que deveriam estar aqui presentes neste espaço que criei mas tem faltado o tempo para o fazer e assim tenho privilegiado sobretudo os escritores que vão publicando obras mais recentes juntamente com as novas edições que vão aparecendo de alguns clássicos mundiais. Uma ou outra excepção a esta regra aparece de vez em quando. E eis que o lançamento recente de uma obra de Galopim de Carvalho que não se integra neste espaço que criei sem distinção de temas ou de ideias. Mas há muito que o nome de Galopim de Carvalho deveria ter aqui o seu lugar. Para além de uma das mais notáveis figuras da nossa comunidade científica actual, Doutorado em Geologia e professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi director do Museu Nacional de História Natural e impulsionador de numerosas acções de divulgação e conservação do nosso património natural. Todos o conhecem como o defensor dos vestígios da existência dos dinossáurios em Portugal e acérrimo lutador pela conservação desses vestígios. E, sendo verdade, é ainda muito mais do que isso. É um acérrimo defensor deste planeta e nomeadamente de tudo o que diz respeito a este recanto que é o nosso pequeno país mas enorme porque cheio de riquezas naturais incalculáveis. E a prova imediata é por exemplo este livro que escolhi entre as suas várias obras publicadas. “A Terra, Património da Humanidade” demonstra bem o quanto devemos amar este planeta. E é com os seus vastos conhecimentos que nos descreve o que nele existe de grandioso, como se foi formando ao longo da sua evolução, viajando no espaço “Como Bola Colorida”, evocando nesta frase o poeta António Gedeão, o Professor Rómulo de Carvalho, a quem o livro é dedicado. Ambos que somos admiradores do nosso grande professor, também Galopim de Carvalho demonstra nesta obra o seu poder de comunicação, divulgando aos leitores numa linguagem simples e acessível tudo, ou quase tudo, o que a ciência conseguiu até agora descobrir e explicar sobre os grandes momentos da história da Terra. É como se estivéssemos a assistir ao aparecimento de um primeiro corpo celeste, inerte, sem vida, no qual – e isso nos vai explicando – se foram dando sucessivas modificações, desde o seu núcleo à crosta externa, interacção com outros corpos provenientes do espaço exterior, formação de massas continentais e sua fragmentação, tudo aquilo que iria preparar a chegada de células muito simples que iriam mais tarde dar origem aquilo a que chamamos organismos vivos. Daí para frente, já o caminho é mais conhecido, quando a certa altura aconteceu a existência de água, e depois, a formação dessas pequenas células, seguindo-se a atmosfera que iria permitir que aparecessem seres mais complexos que se foram formando e diversificando. E depois a Terra, sempre a Terra, permitiu também que eles por ela se espalhassem e se desenvolvessem ainda mais. Portanto é todo o início desse complexo sistema, aquilo a que vamos assistir nesta obra de Galopim de Carvalho, repleta de explicações que de outra forma poderiam parecer confusas mas que com a sua incansável maestria vamos assimilando com todo o gosto, quase sem darmos por isso, como se de um simples conto se tratasse. E é essa a ciência deste insigne Professor de Geologia. É isso que tem feito em todas as suas inúmeras conferências e em todos os projectos de divulgação a que se tem dedicado, alguns deles a que assistimos pessoalmente. Ele conhece e ensina a conhecer. Para além da transmissão do saber, abre-nos um mundo de perspectivas ainda maiores, no Dicionário de Geologia, a obra mais recentemente publicada e que conclui um projecto iniciado, há 40 anos, pelo Professor Carlos Teixeira no então Centro de Estudos de Geologia da Faculdade Ciências de Lisboa.
Mais do que um Dicionário, a forma como está organizado e escrito, ajuda-nos a compreender a razão da existência de muitos termos, necessários para uma melhor compreensão deste maravilhoso conjunto de matéria que constitui o solo que pisamos a nossos pés, que nos fornece a energia para os nossos alimentos, que perfuramos para dela extrairmos riquezas incalculáveis ou onde vamos construindo e erguendo os símbolos edificantes da nossa civilização. Assim a saibamos conservar por muitos anos e respeitar, tal como infere o conceito de um património da Humanidade. Bem-haja o autor por nos conceder o privilégio de melhor conhecer esse património.

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CLARABOIA
José Saramago
Ed. Caminho

É curioso e talvez não que o último livro editado do nosso Prémio Nobel tenha sido afinal um livro escrito na sua juventude com apenas 31 anos de idade, mais propriamente o segundo, após ter escrito e publicado o primeiro, o romance “Terra do Pecado”. Portanto uma obra que deveria ter dado continuidade ao seu poder criativo, não fosse o editor a quem entregou o manuscrito nunca mais lhe ter dado qualquer informação sobre se quereria ou não publicá-lo e só 40 anos mais tarde o contacta para o fazer, ao que Saramago respondeu que já não lhe interessava publicá-lo e recolheu o manuscrito. Tomou então a decisão de não mais o publicar por o considerar ultrapassado, deixando para os que lhe sobrevivessem a decisão de o dar ou não a conhecer. Felizmente que Pilar del Rio, a Fundação e os restantes familiares, resolveram pouco depois do primeiro aniversário da sua morte entregá-lo para publicação à editora que nos permitiu usufruir da quase totalidade da sua obra. Zeferino Coelho que, para além de editor era um dos seus grandes amigos, diz a propósito que se trata de “um bom romance onde se encontram já esboços do que viriam a ser as suas obras seguintes”. Aliás o próprio Saramago referia-se ao seu manuscrito quando tal acontecia em conversas amigas dizendo que achava que ele não estava mal construído, um livro também ingénuo, mas que – e reproduzimos - “tanto quanto me recordo, tem coisas que já têm a ver com o meu modo de ser.” De facto, trata-se de um verdadeiro romance que retrata a vida dos habitantes de um prédio de seis apartamentos numa zona modesta da cidade, cujas escadas recebem a luz através de uma clarabóia colocada ao nível do telhado. O autor terá vivido numa casa semelhante onde alugou um quarto a uma das personagens principais, neste caso do romance, um sapateiro que certamente muito teria a ver com o senhorio real. E são assim descritos os pequenos dramas, alguns mesmo de certo modo trágicos, vividos por aquelas famílias, numa forma que já é muito similar à que viria a ser utilizada mais tarde por Saramago e o levariam ao Nobel da Literatura. Não quero com isto dizer – e quem sou eu para o poder fazer – que não houve transformações na escrita e no valor das ideias expostas nas obras posteriores que o fizeram, com todo o mérito, atingir o lugar que passou a ocupar na literatura mundial. Mas existia, isso sim, já o sentido crítico e a afirmação pessoal das suas dúvidas quanto ao caminho que a humanidade já nesse tempo seguia, em que grande número de pessoas não sente a necessidade de se sentir responsável pelos seus actos e de fazer algo por aqueles que mais necessitam. Em Claraboia, Saramago será ainda talvez aquele rapaz que foge a tudo quanto pode constituir uma prisão e por isso quando sente que está a criar raízes resolve partir. Talvez aí já residissem muitas das suas dúvidas que mais tarde viriam a tornar-se certezas e pelas quais lutou pessoalmente e demonstrou nas obras que nos deixou e que mantém hoje uma actualidade indiscutível. Pese embora os ataques de que foi vítima por parte dos que não quiseram ou não souberam compreender a sua obra, será difícil aceitar que possam existir pessoas – mas existem – que se recusam a vê-lo como um homem excepcional, de grande literário, felizmente reconhecido muito para além das nossas fronteiras, com qualidades de grande valor humanitário em defesa dos mais fracos e desprotegidos. E sobretudo, nunca é demais dizê-lo, um lutador pela igualdade entre todos, quaisquer que sejam as suas ideias, na defesa dos direitos de todo e qualquer cidadão a seguir as suas ideias e os seus ideais. Infelizmente um certo poder dogmático nunca lhe aceitou que pensasse de maneira diferente das suas crenças e apresentasse livremente o seu modo de as analisar e verbalmente as combater, na forma oral ou escrita. Mas voltando a este romance, cremos que Claraboia merece de facto ser lido, até porque, como dizíamos atrás já se encontra nele muitas das ideias que mais tarde Saramago viria a desenvolver, de outra forma naturalmente, mas que aqui se compreendem naquela fase da sua juventude de modesto funcionário da previdência social mas já possuidor de um certo domínio da observação de tudo o que o rodeia, fazendo-o com a precisão e o sentido de ironia que haviam de vir a caracterizar as suas futuras obras. Afinal todo o valor com que foi reconhecido e ficará para sempre nos anais da história da Literatura. Embora também da minha parte, por razões que se sobrepõem à minha vontade, um pouco tardiamente, não podia deixar de colocar aqui esta “Claraboia” de luz sobre um livro e uma figura que passa a iluminar para sempre o meu Amor Pelos Livros.

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