Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne

A CHAVE DE SALOMÃO
José Rodrigues dos Santos

Nos seus últimos romances José Rodrigues dos Santos tem insistido cada vez mais em incluir, para além da inerente parte ficcional, elementos de carácter histórico ou científico. Apesar de já ter sido atingido por alguns críticos que não apreciam esse caminho, argumentando que uma obra científica deve sê-lo de facto, tendo por única função a divulgação do conhecimento científico e um romance deve ter como finalidade a construção de um argumento ou de uma história mais ou menos ficcional ou verídica, o certo é que este autor é um record de vendas no nosso país onde já vendeu 2 milhões de livros, situando-se também no top de vendas em muitos outros países onde é de imediato aceite e traduzido com muitos milhares de exemplares. Portanto, que dizer deste último onde novamente lança Tomás de Noronha, o seu personagem criado em obras anteriores, agora suspeito de um estranho homicídio, que terá de resolver o que significa uma mensagem e um código, para provar que está inocente. A Chave de Salomão é um texto pseudepigráfico onde se encontram vários desenhos geométricos de mais que desconhecido ou discutível significado, atribuído supostamente ao Rei Salomão e daí o pentagrama que aparece na sobrecapa do livro. José Rodrigues dos Santos caminha no seu romance para além deste mistério, há muito indecifrável, para muitos outros sobre os quais presentemente tem sido difícil encontrar respostas como seja a existência da alma, o que é a consciência, para onde vamos depois da morte ou da própria existência de Deus. Ao longo das mais de 600 páginas (como sempre são enormes os seus livros o que pode ser bom para uns mas menos cómodos para outros), o autor cruza constantemente o desenrolar da aventura ficcional com as conjecturas científicas do seu personagem, entrando por descrições de conceitos científicos que são do domínio da física quântica. Ora é aqui que as opiniões dos críticos se dividem. Uns acham que não é um bom livro científico pois para isso existem os cientistas que os escrevem e apresentam. Outros consideram que isso é uma mais valia no romance de ficção pois os leitores ficam elucidados ou melhor elucidados, embora pouco profundamente, sobre algo que só a ciência pode explicar. Acreditamos – aliás José Rodrigues dos Santos o afirma – que a informação científica e técnica incluída na obra é genuína e que as teorias e hipóteses apresentadas são sustentadas por cientistas. E confessa mesmo ter consultado várias personalidades ligadas à física para o ajudarem, revendo os textos que ia escrevendo ou elucidando-o sobre dúvidas em outros que iria escrever. Também o facto de terem estado na apresentação do livro um físico e um psiquiatra são uma garantia de que aquilo que descreve está correcto e de acordo com o que actualmente se conhece. Nós próprios lemos há dias numa outra obra de John Brockman ( Respostas da Ciência) a referência de que Einstein negava a existência da realidade como sendo alguma coisa real pois, segundo ele, “a realidade só existe se houver um observador”. São de facto matéria estranha para grande parte das pessoas e, tal como este caso da realidade, outros acontecem no decorrer de “A Chave de Salomão” que os cientistas sabem mas que nem sempre conseguem apresentar de forma bem explícita à maioria dos leitores comuns. Vejamos uma rápida sinopse: o corpo de Frank Bellamy, director de Tecnologia da CIA, é descoberto no CERN, em Genebra, na altura em que os cientistas procuram o bosão de Higgs. Entre os dedos da vítima é encontrada uma mensagem incriminatória. “The Key: Tomás Noronha”. A mensagem torna Tomás Noronha o principal suspeito do homicídio. Depressa o historiador português se vê na mira da CIA, que lança assassinos no seu encalço, e percebe que, se quiser sobreviver, terá de deslindar o crime e provar a sua inocência. E é neste contexto que José Rodrigues dos Santos resolve juntar o melhor de dois mundos num só: o romance/aventura e a ciência. Será que o consegue para todos os que resolvem folhear esta sua obra? Não queremos ficar com essa dúvida e baseamo-nos apenas nas críticas e nos comentários deixados aqui e ali, nas diversas referências feitas a esta sua obra. Pessoalmente, nós que até acompanhámos a recente descoberta do bosão de Higgs ou Partícula de Deus no CERN, local escolhido por JRS para iniciar o mistério da estranha morte que incrimina o seu personagem, foi-nos fácil ir acompanhando as muitas descrições de carácter científico que o autor deposita nesta obra, como aliás tem vindo a fazer ultimamente. Mas podemos concordar que nem todos os leitores estejam com essa disposição para o fazer, o que é pena pois continuo a considerar José Rodrigues dos Santos um autor que merece ser lido. Fica o convite. E aguardemos mais um ano pela próxima obra para saber se este caminho por ele traçado irá continuar, intensificar-se ou, eventualmente, desviar-se para o conceptual. Confesso que gostava mais que ele continuasse a ser romancista e deixasse a ciência de lado. Mas a minha opinião de nada vale.

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ALABARDAS, alabardas
ESPINGARDAS, espingardas
José Saramago

Este romance inacabado que o nosso Nobel da Literatura deixou no seu computador com trinta páginas apenas, que ia “refundindo e não reescrevendo” como confessava nas notas do seu Caderno a 16 de Setembro de 2009, sempre na intenção de o vir a terminar mas que o fim traiçoeiro, que já se avizinhava, não permitiu, é mais uma jóia  que se junta à sua obra grandiosa, sem dúvida das maiores da literatura mundial e da nossa. Quando o livro chegou às minhas mãos e comecei a sua leitura, não parei senão quando cheguei ao fim. E lembrei-me de imediato de algumas daquelas vozes que aqui e ali se ouviam, de vez em quando, ao citar a escrita de Saramago, intitulando-a difícil de acompanhar, por falta de pontuação ou excesso dela, a incomodidade dos poucos períodos ou parágrafos, enfim uma série de desculpas para não querer compreender a grandiosidade das suas palavras e das suas ideias. É que sucedeu-me precisamente o contrário. Aliás, como é sabido e sempre o afirmei, nunca tive qualquer dificuldade na sua leitura. Mas nestas páginas, do que viria a ser o seu próximo romance, senti uma tal fluidez no seu original processo literário, que não consigo compreender como foi possível alguém dizer que tinha necessitado de voltar atrás na leitura de uma ou outra frase para retomar o sentido. Tudo é tão claro e evidente na exposição dos diálogos, quando existem, como na explanação do pensamento da personagem principal, de tal forma a escrita de Saramago me pareceu até caminhar para novos meios de nos apresentar as suas ideias, o seu pensamento, aquilo que afinal sempre constituiu a mensagem que desejava transmitir aos outros e que consistia, conforme muitas vezes afirmou, a necessidade de agitar consciências, levá-las a pensar, a reflectir, a não serem indiferentes ao que nos rodeia na nossa passagem pelo mundo. E dito isto, nada tendo ainda referido sobre a história do romance em si e do possível enredo que haveria, dadas as circunstâncias, de constituir, perguntei-me muitas vezes que outras palavras poderia aqui deixar diferentes do muito que tenho escrito sobre José Saramago e as suas obras. Eu que até já o saudei, tratando-o por tu, aqui neste mesmo espaço, em 18 de Junho de 2011, sinto séria dificuldade em encontrar algo de novo para além do que já disse nesta mesma peça. Se me fosse permitido, diria que ele é, para mim, o maior escritor da literatura do meu tempo. Os seus livros foram e são, para mim, objectos de culto onde encontro não só as respostas para muitas das minhas perguntas como a ajuda para me interrogar sobre outras que continuo a fazer: Que sociedade é esta onde falta o sentido da humanidade e o respeito pelo outro. E o direito a ser diferente, sem que tal interfira na liberdade desse outro? Até quando a falta de ética no comportamento humano? Questões que me preocupam de facto. Mas vamos então ao livro. A história de um simples empregado numa fábrica de armamento, apaixonado por peças de artilharia, separado da sua mulher que nunca concordara com aquele tipo de emprego do marido, é a base para Saramago reflectir sobre uma questão que desde sempre, como confessa no seu caderno, o preocupara. Porque razão nunca tinha acontecido uma greve numa fábrica de armamento. E havia também, como escreve, o estranho caso de uma bomba que não explodira na guerra civil de Espanha, tendo sido encontrada dentro dela uma mensagem dizendo isso mesmo. Esta bomba nunca vai explodir. Embora também confesse que não se recordava bem onde teria lido tal notícia, o facto é colocado durante um telefonema que Felícia faz ao marido, incitando-o a tentar junto da administração da fábrica onde Artur Paz Semedo (curioso o nome dado ao personagem principal) trabalha, uma autorização para investigar nos arquivos as possíveis vendas efectuadas algumas décadas atrás. E vamos assistindo a uma mudança quase radical nas relações daquele casal, devido à transformação que vai sendo feita na atitude laboral de Artur Paz Macedo mais concordante com a personalidade de Felícia. Mas o importante no romance é mais uma vez a chamada de atenção, afinal tão do agrado do autor, para a persistente existência dos interesses mais obscuros dos políticos nas guerras que provocam e alimentam, nos lucros adjacentes e na completa desumanização da sociedade ao longo dos tempos. Até quando? Poderemos perguntar. Infelizmente não o sabemos e por certo Saramago, se tivesse tido a oportunidade de acabar este romance, também não nos daria a resposta. Mas senti uma tristeza enorme por ele não o ter terminado e poder dar-nos algo mais a juntar ao muito que nos deixou e que ficará para sempre nas bibliotecas dos seus leitores, espalhados pelos quatro cantos do mundo. Essa tristeza, confesso, não retira o enorme prazer de o ter lido mais uma vez na sua prosa inconfundível. O livro  contem ainda dois interessantes textos de duas personalidades muito ligadas à vida e obra de José Saramago. O poeta e ensaísta espanhol Fernando Gómez Aguilera faz uma análise bem construída de como este último livro se insere na obra completa do nosso Nobel da Literatura. O jornalista italiano Roberto Saviano consegue colocar-se no papel de alguém que também conheceu uma série de pessoas semelhantes à personagem criada por Saramago. “Também eu conheci Artur Paz Semedo. Não trabalhava numa fábrica de armamento… e o seu nome era Tim… Rodolfo…Christian… etc.”. E acaba por contar-nos histórias curiosas desses seus "conhecidos". Enfim, aqui está portanto “Alabardas”, o último romance (o inacabado) de José Saramago. Mas tenho esperanças de continuar a falar dele neste meu Amor Pelos Livros.


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QUERENÇA
Fernando Correia da Silva

Fernando Correia da Silva, o meu grande amigo Fernando, autor de assinalável obra literária e poética, merecedora dos elogios de grandes nomes do nosso meio artístico-literário como por exemplo António José Saraiva, está hoje aqui presente pelas piores razões: deixou-nos, à família e aos amigos, no passado dia 18 de Julho. Já há muito tempo que ele devia figurar aqui mas como várias vezes tenho afirmado não me é possível colocar neste espaço todos os livros e autores que gostaria nele figurassem. E para além da falta de tempo para o fazer numa modesta análise minimamente correcta, tenho dado preferência às edições ou reedições mais recentes. E apesar de uma importante actividade literária que Fernando Correia da Silva mantinha regularmente desde que em 1998 criou o site Vidas Lusófonas (clique e visite), sendo responsável pela coordenação de 169 biografias de vários autores nacionais e estrangeiros, em muitos casos escritas por ele próprio com uma originalidade que lhe era peculiar, publicara o seu último romance em 1996. E assim apesar de ter pensado por várias vezes colocar aqui alguns dos seus livros que estão em lugar de destaque numa das minhas estantes, o tempo foi passando até que o inesperado aconteceu. Tínhamos falado uma semana antes, recordando até a coincidência da nossa idade. A propósito do seu aniversário a 28 de Julho, cerca de um mês antes do meu, ainda me atirou a costumeira frase “Muito respeitinho pois sou um mês mais velho do que tu”. Sempre bem-disposto, nada faria antever o que se passaria. A nossa amizade nasceu em Campo de Ourique, quando da entrada para o primeiro ano no Liceu Pedro Nunes. Camaradas de turma, logo se iniciou uma amizade que iria manter-se nas actividades extra-escolares, entretenimentos e excursões, culminando na adopção dos mesmos ideais que cedo nos levaram ao MUD Juvenil. Cedo começariam as perseguições da PIDE que, ao contrário do que lhe aconteceu a ele, não conseguiam encontrar-me devido à diferença entre o meu nome familiar e o oficial. Preso em Caxias com 17 anos, viria a publicar dois anos depois COLHEITA,
que logo me ofereceu, um livro de poemas nos quais apresenta já muito das suas preocupações de carácter social, ao mesmo tempo que se compreende porquê futuramente na sua obra literária haveria de sempre coexistir uma forma algo poética de se exprimir. O Fernando não poderia nunca deixar de ser ele próprio, juntando, como poucos o souberam fazer, o coração e a razão, o que gostaria de ser e a realidade do que tinha de ser, o eu e o não eu, os outros, sempre os outros. E por isso coloco hoje aqui o seu romance que no meu entender melhor o define. Em QUERENÇA, que mais tarde viria a ser adaptado ao cinema por seu filho Edgar Feldman, Fernando Correia da Silva é ao mesmo tempo o autor e o narrador que criou como personagem principal. É que, curiosamente, Júlio Vera, o personagem é um contador de histórias que narra acontecimentos da sua vida, episódios e amigos da sua juventude e tem igualmente premonições de algo que virá a acontecer. E aqui e ali as palavras correm com um fervor poético. Júlio Vera joga com elas como se de poesia se tratasse. O autor está dentro e fora da Querença, aquela querença que é afinal o seu território ou foi e será. E se ao analisar o personagem-narrador que Fernando criou, foram muitos os que viram neste seu romance algo de auto-biográfico, como aliás se intui dentro da própria narrativa ficcionada, nele acontecem também nomes e personagens reais com os quais o autor conviveu. E não seria apenas O’Neill, Agostinho Neto ou Pinto de Andrade com os quais se cruzam em Lisboa a personagem de Querença e o autor que poderiam criar a suposta verdade. Leio Júlio Vera e estou ao mesmo tempo a ouvir as palavras que muitas vezes escutei deste meu grande amigo, fossem elas durante umas voltas pelas ruas de Campo de Ourique, sentado num café da Ferreira Borges ou num banco do jardim da Parada. Da situação política que atravessávamos, nosso tema preferido, lançava de repente com o seu costumeiro humor qualquer pergunta que envolvesse uma pequena aventura dos nossos tempos de juventude: Lembras-te Gil de como conseguimos a malhadinha, aquela pomba que querias para o teu pombal? (eu era aficionado columbófilo e ele ajudava-me a manter a bicharada). Na vida como na escrita, as revessas como ele as intitula em Lianor ou no Mata-Cães, outras das suas obras, são constantes. Tão rapidamente estamos ou, melhor, está no agora como recua dezenas ou centenas de anos para vestir a pele de Colombo ou Gama. Entre o que desejou ou foi e o que já não é porque afinal não aconteceu como previa, existem muitos acontecimentos que somos levados a repensar porque deles fomos testemunhas ou nos ensinaram de maneira muito diversa. Heróis que não o foram de facto, almas caridosas que apenas exerciam o seu poder sobre espíritos inocentes para mais facilmente os escravizarem, um mundo e uma história que não é, nunca foi, aquele em que mesmo os homens que chegaram a ser considerados seus defensores se reconheceram mais tarde as naturais imperfeições humanas. Fernando Correia da Silva, sendo o criador e a criatura que faz parte dos seus romances, consegue a estranha magia de ser um perfeito analista político que nos revela factos que a ele são exteriores mas nos quais tomou igualmente parte. E consegue tudo isso com extraordinário rigor, numa forma que nos prende da primeira à última página de cada um dos seus romances, onde se destacam o rigor, a crítica e até um certo bom humor que o caracterizava também na vida real. E por isso a sua obra, o criador e a criatura como Júlio Vera na Querença, transmitem-nos a noção de que a natureza humana é inalterável e de que apenas podemos acreditar numa utopia: será que um dia a humanidade atingirá a igualdade fraterna e universal? Queremos acreditar que acontecerá. Por isso e para isso vivemos e o recordamos quando lemos as suas obras. Fernando Correia da Silva está dentro delas.

Para ler um excerto de QUERENÇA e um poema de COLHEITA, o primeiro livro do autor, clique aqui

LIVROS DE
JOSÉ SARAMAGO
Na Porto Editora
Fundação José Saramago

Novas edições de livros de José Saramago, anteriormente publicados pela Caminho, estão agora nas livrarias com a chancela da Porto Editora em novo acordo feito com a Fundação do nosso prémio Nobel da Literatura. Nesta primeira fase são nove as obras apresentadas de uma forma original, com capas elaboradas por um gabinete de designer, onde sobre um fundo pastel aparecem os títulos na caligrafia de nove destacadas personalidades da literatura e da cultura portuguesa e que igualmente foram amigos do autor. Álvaro Siza Vieira, Baptista-Bastos, Eduardo Lourenço, Dulce Maria Cardoso, Gonçalo Tavares, Júlio Pomar, Lídia Jorge, Mário de Carvalho e Valter Hugo Mãe escreveram com a sua mão os títulos de A Caverna, A Noite, A Viagem do Elefante, As Intermitências da Morte, As Pequenas Memórias, Ensaio sobre a Lucidez, História do Cerco de Lisboa, Manual de Pintura e Caligrafia e O Homem Duplicado. A respectiva caligrafia está identificada numa das primeiras páginas do interior. Para além destas obras, em breve outras se seguirão, mantendo o mesmo estilo, na sequência de um desejo de inovação que ficou a marcar a entrega da edição e reedição das obras literárias de José Saramago à Porto Editora que irá igualmente prestar o seu apoio financeiro e logístico à Fundação, criada por sua mulher Pilar de Rio, no sentido de promover o melhor estudo e divulgação da obra literária desse grande escritor que marcou de forma inigualável a moderna literatura portuguesa.

Não sendo meu propósito repetir as palavras que já tive oportunidade de escrever sobre José Saramago neste espaço que criei na grande rede global para expressar o meu “amor pelos livros”, não posso no entanto perder mais uma oportunidade de juntar algo que tenho sentido nestes últimos tempos. É que, apesar de algumas (poucas) vozes terem chegado a afirmar que a escrita ou o estilo literário criado pelo nosso Nobel da Literatura não era muito fácil de entender (grandes períodos sem a costumada pontuação a separá-los ou então pontuação a mais mas sem parágrafos) e conduziria a um cansaço desmotivador, juntando alguns críticos que lamentavam a atribuição do grande prémio mundial que melhor ficaria noutros autores que me dispenso de aqui referir, a verdade é que tal não aconteceu. E até, apesar do difícil momento que vivemos e do entusiasmo pelo aparecimento de novas tecnologias que entusiasmam os mais jovens, afastando-os do hábito da leitura, tenho notado – e não serei certamente o único – que as obras de Saramago continuam a ocupar um lugar de destaque na venda de livros e portanto nos escaparates das livrarias e é muito vulgar encontrarmos pessoas que as lêem, seja num banco de jardim ou nos transportes públicos.
É verdade que Saramago escreveu precisamente para o seu povo ou para todos os povos que desejam aprender a conhecer melhor a finalidade da sua presença neste mundo, defendendo os seus direitos e ajudando a lutar contra todos os que pretenderem tirá-los. Vivemos de facto um período – mais um – em que a humanidade se apresenta por vezes com muito pouco de humana. Esquecemos com frequência muito do que se passa à nossa volta, como se constituísse uma espécie de mundo à parte onde não vivemos e ao qual não pertencemos. É quase a velha história do “salve-se quem puder” ou então “quem vier depois que resolva”. E em muitas das suas obras, Saramago ajuda-nos a reflectir e recorda-nos precisamente o que muitas vezes já esquecemos. Ele não deixa é claro de chamar a nossa atenção para os perigos dos mitos ou da crença nos milagres divinos, o que não agradou a muita gente e continuará por certo a não agradar. Mas neste preciso momento, nesta época que estamos atravessar, basta olharmos para os locais onde se travam as grandes lutas e os mini-holocaustos para compreender onde residem os motivos para que tal aconteça. Saramago, o homem, o escritor que nos deixou nas suas obras um legado de pensamentos e de conhecimento, em grande parte conseguidos, quando trabalhando como simples serralheiro mecânico, depois de abandonar a sua aldeia de Azinhaga do Ribatejo e apenas tendo conseguindo frequentar o ensino secundário, passava longas noites na biblioteca do Palácio Galveias, folheando livros e os mais diversos catálogos que por lá encontrava. Saramago, o mestre que nunca o quis ser, mas que o foi de facto para muitos de nós. Saramago continua mais do que presente na actualidade, representado que está na tradução das suas obras em muitas dezenas de países. Como já é meu hábito dizer – e não sou nada original:
– Até Sempre Saramago!

O nosso encontro é na Fundação José Saramago

1974 - O Ano que começou em - ABRIL

António Luís Marinho
e Mário Carneiro

Mais um dos muitos livros que assinalaram as comemorações dos 40 anos do 25 de Abril havia que colocar neste meu espaço onde já estão igualmente as capitãs de Abril. E mais uma vez, pelas mesmas razões. Tal como no anterior existia uma locutora/apresentadora, desempenhando funções idênticas às minhas, também nesta obra que hoje aqui deixo, ela se identifica com a profissão que exerço. É da responsabilidade de dois jornalistas, António Luís Marinho e Mário Carneiro, baseando-se nos excertos retirados de dois prestigiados órgãos da comunicação social:
Diário de Notícias e a Revista Flama, por coincidência dois em que também eu próprio colaborava regularmente, como jornalista que sou. Existe também portanto uma razão que me levaria, se outras não existissem – e é claro que existem – para aqui trazer outra das muitas obras que então se publicaram a respeito do 25 de Abril.
E de facto, como os autores salientam no prefácio, “se o 25 de Abril não tivesse acontecido naquele ano de 1974, este ficaria na História por outras e muitas variadas razões, desde as muitas celebridades que nele nasceram entre os quatro mil milhões que marcavam o também Ano Mundial da População, aos casos mediáticos da Índia se ter tornado a sexta potência nuclear do Mundo ou de um senhor desconhecido ter inventado aquele papelinho amarelo que se chama post it ou ainda de um outro que ao passar com a mão na areia da praia inventou o chamado código de barras que pela primeira vez foi experimentado e lido num pacote de pastilha elástica. Mas para todos nós, portugueses, 1974 foi o ano em que Abril nasceu ou melhor, como dizem os autores deste livro, “… o Ano que começou em Abril”. E a expressão está mais que correcta porque Abril era desde há muitos anos desejado e esperado pelo povo. Vivendo sob uma ditadura violenta que lhe retirava todos os direitos, desde a saúde à educação, martirizando e torturando aqueles – e foram muitos – que lutavam para derrotar esse regime, a grande maioria da população portuguesa esperava que numa qualquer madrugada, esse Abril nascesse. E essa grande alegria, que viria a devolver-nos a liberdade tão esperada, aconteceu exactamente numa madrugada do ano de 1974.
Tudo aconteceu, como se fosse de há muito minimamente preparado. A muitos terá parecido fácil. Foi a revolução dos cravos. Uma revolução de flores, onde não foi necessário que as armas disparassem. Um cravo no cano de uma espingarda tornou-se um símbolo que haveria de fazer nascer sorrisos nos rostos por onde tinham passado muitas angústias e corrido muitas lágrimas. Eu próprio sentira no seio da minha família as garras da Pide que numa das muitas vezes em que o meu Pai fora preso, esteve um mês encerrado na prisão da Torre do Bugio, com água até aos joelhos. E também comigo, a aventura principiaria bem cedo, antes das perseguições que a polícia política haveria de fazer a alguém cujo nome, não totalmente fictício, não aparecia exactamente do mesmo modo nos registos do Liceu ou da Faculdade. Mas isso é outra história que um dia talvez venha a contar. Apenas com três anos de idade, uns polícias pidescos retiraram-me do berço onde dormia, altas horas da noite, na nossa casa de Campo de Ourique, pensando que nela iria decorrer uma reunião e que debaixo dos lençóis alguém mais importante do que a criança que eu era estaria escondido. Mas voltemos a este livro que vai ficar como documento completíssimo de todo esse período que começa em Janeiro e termina em Dezembro de 1974, pleno de fotografias e notícias dos referidos Jornal e Revista, evocando na devida altura a grande história do nascimento de Abril, o antes e depois do grande dia 25, que todos nós não esqueceremos nunca mais.
O modo como os dois autores resolveram apresentar as imagens e excertos recolhidos dos ficheiros da Biblioteca Nacional, juntando-lhes os devidos comentários e descrições ao longo das cerca de 400 páginas que constituem este livro, permitem-nos de uma forma extremamente eficaz mas ao mesmo tempo simples, reviver o antes e o depois daquele período que foi considerado por muitos analistas internacionais um dos mais extraordinários exemplos de como um país se consegue libertar do atroz sofrimento a que esteve submetido durante largas décadas perante um poder absoluto onde reinava um ditador que envelheceu numa cadeira, rodeado apenas de alguns poucos amigos que alimentava com mordomias várias mas que a ele obedeciam cegamente, seguindo as suas ordens desumanas e terríficas. Este livro é o retrato fiel de como vivíamos nesses meses que antecederam o 25 de Abril, no auge de uma guerra colonial que continuava a levar os nossos jovens para o além mar, em defesa de territórios onde os grupos de libertação eram chamados de terroristas, enquanto nesta pátria empobrecida imperava a exploração do trabalho infantil, se proibia tudo o que pudesse relacionar-se com o sexo ou a igualdade de direitos da mulher. Mas algo se preparava de facto e o livro de um general do regime causa sensação e atordoa os membros do governo. “Portugal e o Futuro” escrito pelo General Spínola era um desafio sério à política do governo. Mas para quem se tenha esquecido, ele confessaria depois numa entrevista à Televisão Francesa que não considerava que contivesse quaisquer divergências com a política portuguesa. É bom que seja recordado, como fizeram muito bem os autores. E depois, tínhamos também as célebres “Conversas em Família” nas quais Marcelo Caetano tentava convencer-nos de que tudo estava a correr pelo melhor ou de que a sua política estava ao lado do povo. Não era assim de facto. E o povo saiu à rua, juntamente com o movimento dos militares de Abril, para o retirar e à sua equipa do Quartel do Carmo onde se tinham refugiado. Relembra-se também nestas páginas o que foram as comemorações do dia 1 de Maio na Alameda Afonso Henriques, juntando mais de um milhão de pessoas, comparadas, segundo escrevia o DN, às que marcaram a célebre libertação de Paris. “1974 – o Ano que começou em Abril” fica de facto para a história como documento único que marca de forma excepcional, através dos registos documentais, um ano memorável para o nosso país.

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O GUARDADOR DE REBANHOS
Alberto Caeiro


Ainda há pouco tempo eu aqui escrevia sobre Fernando Pessoa, quando do lançamento de uma criteriosa escolha feita pelo editor de alguns dos trechos que o autor tinha atribuído ao seu semi-heterónimo Bernardo Soares para o seu LIVRO DO DESASSOSSEGO. Escrevia sobre Fernando Pessoa, disse eu atrás, quando na realidade não posso nem de longe arvorar-me à condição de analista desse grande génio da nossa literatura. De facto, apenas alinhavei, como se pode ler mais abaixo, noutra entrada deste espaço, algo do muito que sempre o admirei e do que sempre me fez sentir ao longo da minha vida de leitor interessado e de amor pelos livros. E eis que comemorando precisamente os 100 anos em que Pessoa, sob o heterónimo de Alberto Caeiro, diz que escreveu num determinado dia 8 de Março de 1914 os 49 poemas que constituem a obra O Guardador de Rebanhos, aparece esta nova edição. E atrevo-me aqui apenas a citar um dos muitos estudiosos que têm investigado a sua obra dizendo que, “analisado o seu espólio, nenhum poema está datado desse dia, antes se situam entre 4 de Março e 7 de Maio de 914”. O dia 8 de Março teve um grande significado para Fernando Pessoa por ser aquele em que recordava ter “inventado” os heterónimos e daí nascera a sua escolha. Aliás são suas as palavras numa carta a Adolfo Casais Monteiro: “Foi um dia triunfal da minha vida e nunca poderei ter outro assim. (...) Com um título O Guardador de Rebanhos (...) foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive.” Sem pôr em causa ou querer analisar a fundo se Caeiro foi ou não um mestre para Fernando Pessoa, o certo é que “O Guardador de Rebanhos” nos apresenta alguém que se mostra pela primeira vez como um poeta que, ao contrário do que conhecemos da sua restante poesia, se concentra numa comunhão profunda com a Natureza. Uma espécie de simbiose. Ele que afirma no poema de abertura “Eu nunca guardei rebanhos, mas é como se os guardasse” comporta-se de facto como a alma de um pastor, aquele que sentado no cimo de um monte observa tudo o que o rodeia, mas sem pensar, sem analisar, sem proferir sequer os nomes das árvores ou das flores. Nesta sua obra, aprendemos com ele, numa espécie de filosofia oriental, que o importante não é pensar no que se vê mas sim e apenas ver. Nós, eu e provavelmente a maior parte dos leitores que neste momento me acompanham, habituámo-nos a olhar para um pôr de sol e a pensar de imediato como ele é diferente de outro, visto há dias, aquelas cores são novas, está mais dourado do que um outro, as nuvens menos avermelhadas, etc. Para Pessoa, neste seu conjunto de poemas, consegue-se uma completa abstracção de tudo isso. Para ser sincero, eu próprio me parece difícil que Pessoa o tenha alguma vez conseguido. (Afinal ele também escreveu: “O poeta é um fingidor, finge tão completamente...”) Mas enfim, ele o diz. E com isso pretende dizer-nos que desse modo - e só desse - podemos atingir aquele estado contemplativo, numa calma absoluta, num verdadeiro êxtase perante a tal Natureza que ele também confessa não existir como conjunto, que nada mesmo pode ser um conjunto e que todas as coisas são apenas elas próprias e só assim as devemos abordar. Só assim teremos aquela paz de espírito que ele diz ter alcançado ao vestir-se de Alberto Caeiro. E no entanto em alguns dos seus poemas que convidamos quem nos lê a procurar neste livro, pareceu-nos – e não só a mim – que ele estaria um pouco triste. Esta edição que agora aparece inclui um admirável Prefácio e sobretudo um Posfácio da autoria de Pedro Sinde, Licenciado em filosofia, um fervoroso analista destas questões literárias que muito ajudarão o leitor a absorver o quanto significam estes 49 poemas e como talvez nos possam levar a atingir o mundo pessoano. Pedro Sinde diz nomeadamente que “há versos (…) que são um bálsamo para a alma” e que  “a poesia de Alberto Caeiro parece brotar de uma certa atitude de alma, a que chama «pasmo essencial», e que resulta num modo especial de ver o mundo ou naquilo a que poderíamos chamar uma arte de ver”. Por mim, que nada sei, fico-me por aqui com o habitual convite:

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CAPITÃS DE ABRIL
Ana Sofia Fonseca

 As comemorações dos 40 anos do 25 de Abril trouxeram à actualidade literária um enorme conjunto de obras que focaram os mais diversos aspectos do significado das conquistas de Abril nesse grande momento da nossa história recente. Como era viver nos tempos da ditadura, a polícia política, a censura na comunicação social, os livros proibidos, as inaugurações de fachada, a guerra colonial, a luta académica, os exilados, tudo isto e muito mais a que estávamos sujeitos antes dessa data memorável. Publicaram-se livros de entrevistas, biografias e os mais variados ensaios políticos sobre o tema. Escolhemos para este nosso espaço, onde não podíamos deixar de assinalar a efeméride, um livro de uma jornalista que nos conta a revolução dos cravos no feminino. As Capitãs de Abril revela-nos, pela primeira vez, quem foram, o que fizeram e como viveram as mulheres dos militares que fizeram a revolução que derrubou a maior ditadura da história europeia. De Ana Coucello, casada com o adjunto operacional de Otelo Saraiva de Carvalho no Regimento de Engenharia 1 na Pontinha, a Natércia Salgueiro Maia ou Teresa Alves, respectivamente viúvas do grande Capitão de Abril Salgueiro Maia e do Major Vítor Alves, são descritos os momentos decisivos dos dias que antecederam aquela célebre madrugada vividos por 13 das mulheres que a jornalista conseguiu entrevistar para nos dar a conhecer exemplos de muita coragem e abnegação que também eram vividos em família numa certa clandestinidade. Ana Sofia Fonseca relata-nos com extraordinária precisão como elas viviam, algumas nos locais onde se travava a luta contra os chamados “turras” nas antigas colónias portuguesas, sempre aguardando a chegada dos maridos que tinham partido de manhã para a frente militar, espingarda na mão e umas tantas granadas à cintura. Será que voltariam? Nos ouvidos o som das bombas a rebentar lá longe ou a passagem do helicóptero que transportava feridos para o hospital próximo. Será que ele vai ali? Outras em Lisboa, fingindo que nada se passava, escondendo o receio daquilo que se preparava, visitando com eles locais chave que haveriam de dar que falar. Enfim, nas horas antes daquela madrugada, as palavras dos futuros heróis que, embora confiantes, não podiam deixar de transparecer o receio de que “a coisa” corresse mal. ”Olha, é esta noite” diz o marido a Teresa Alves. “É esta noite o quê” pergunta Teresa ao Vítor. E ouve de imediato a resposta: “A revolução que temos andado a preparar”. “É hoje. Liga o rádio e se ouvires aquela canção do Adeus já sabes que começou”. E lá ficavam presas, de olhos fixos no pequeno transístor aguardando a canção que tinham ouvido dias antes no Festival televisivo. Mas para Dina que sempre acompanhara o marido nas missões no ultramar, Otelo foi ainda mais preciso: “Se ouvires o nosso comunicado é porque tudo correu bem”. “- E o que é que acontece se correr mal”. Pergunta Dina, escondendo o desassossego que a enche. “Eh pá, sei lá? Enfiam-me no Tarrafal e é esta a última vez que aqui estamos a falar”. Todas estas situações nos são contadas neste livro com grande precisão. Como se estivéssemos a presenciá-las no foro íntimo das personagens da história memorável que foi o 25 de Abril.
Facto curioso que a autora resolveu e muito bem incluir é o de existirem duas mulheres que sem serem casadas com militares de Abril desempenharam também o papel de “Capitães” ao lado das restantes. É o caso de Celeste Caeiro, empregada num self-service a colocar flores nas mesas dos clientes. Naquela manhã, o gerente mandou-a para casa pois o estabelecimento ia fechar devido a algo que se passava nas ruas. E que levasse as flores com ela pois já não eram precisas. Celeste agarrou nelas e foi de metro para a baixa. À saída, soldados por todo o lado. Aproxima-se de um e pergunta: “O que é que estão aqui a fazer?”. “ –  Uma revolução”. É a resposta. “- Precisam de alguma coisa? Como é que posso ajudar?”. “Se tiver um cigarrinho...um cigarro calhava bem.”. “- Bem gostava mas nunca fumei... Olhe, tome lá um cravo que tanto se oferece a uma senhora com a um senhor.” O militar agradece e põe o cravo no cano da G3. Celeste distribui o molho inteiro pelos militares com que se cruza. Gosta da Ideia – confessa mais tarde – antes cravos que balas. E o exemplo foi seguido por outras vendedeiras de flores nesse dia e nos seguintes. Quem diria que foi graças à Celeste que apareceu o nome de “Revolução dos Cravos”.
O outro caso, também de uma mulher não casada com um militar mas também Capitã de Abril é o de Clarisse Guerra, nessa época locutora do Rádio Clube Português e que, encontrando-se em casa quando às 4 da manhã é avisada por uma colega de que ia haver um revolução, corre a ligar a telefonia e vai ouvindo os comunicados lidos de quando em vez pelo seu colega Joaquim Furtado. “Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas...”. Corre para o telefone, avisa alguns amigos e sai de casa com a filha, a caminho do Rádio Clube, ali a 10 minutos da casa onde mora, em Campolide. Vai para a mesa de locução, passa canções e músicas censuradas, mas são eles, as vozes masculinas, o Joaquim e o Luís Filipe Costa que vão lendo os comunicados. Então e eu? Pergunta. Até que finalmente, cerca das 2 e meia da tarde, Joaquim Furtado olha para ela e pergunta-lhe se quer ler. Clarisse responde que sim claro. O chefe dos noticiários confirma “até é bom uma mulher ler”. Clarisse Guerra respira fundo, afasta os nervos, nunca antes lera noticiários. O documento acabara de chegar da Pontinha. E ela vai ler as palavras dos heróis. A única mulher a ler aos microfones de uma estação de rádio um comunicado do Movimento das Forças Armadas. (A única, sabemo-lo bem, pois na E.N. onde eu era colega dela, apenas às vozes masculinas foi dada essa oportunidade, eu, um deles). Mais do que possamos acrescentar sobre este livro que ficará por certo para a história do 25 de Abril poderá ser lido nas suas páginas e é isso que recomendamos.

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