O BOSÃO DO JOÃO
88 POEMAS COM CIÊNCIAS
Rui Malhó
Ao deparar com este título, o leitor
mais informado pensará que ele se refere a tema relacionado com a ciência
nomeadamente com a física. Todos se recordam de há dois anos ter sido finalmente
descoberto o Bosão de Higgs no grande acelerador de partículas do CERN,
acontecimento recebido com grande entusiasmo por toda a comunidade científica e
também pela comunicação social, pois essa partícula tinha sido prevista pelo
físico Peter Higgs em 1964 e era portanto esperada há décadas. O Bosão do João
poderia portanto ser igualmente a previsão de uma nova partícula. Mas nada
disso. O autor deste livro, Rui Malhó, é de facto um cientista, doutorado em
Biologia pela Universidade de Lisboa - tendo escolhido para a sua tese o “Estudo
da germinação do grão de pólen” - actualmente Professor da Faculdade de
Ciências da mesma universidade e membro da Academia de Ciências, sendo autor e
co-autor em dezenas de artigos em revistas científicas internacionais. Folheando
o livro, nota-se de imediato que as suas páginas são preenchidas por poemas e
numa observação mais cuidada à capa pode ler-se como sub-título “88 poemas com
ciências”. Trata-se portanto de um livro de poesia. Rui Malhó não é poeta e os
poemas foram escolhidos por ele devido à relação que cada um deles tem com a
ciência. E o facto de ter escolhido “88” não foi por acaso. Estivemos numa das
apresentações de lançamento do livro, precisamente no dia Mundial da Poesia e
não nos ocorreu perguntar-lhe a razão da escolha desse número. Mas mesmo que o
tenha feito por outras razões, podemos reparar que a junção desses dois
algarismos para formar um número tem algo que nos leva a pensar em reflexo, o
que tem a ver com propriedades da luz e da interposição de determinados
materiais; e também o símbolo oito possui dois círculos que se tocam, numa
rigorosa simetria; física, geometria, matemática claro, a ciência enfim. Motivo
ou não para esse pormenor do subtítulo, o livro que o autor nos apresenta vem
demonstrar o que algumas pessoas esquecem. Poesia e ciência ou arte e ciência
sempre tiveram uma ligação, aliás necessária na opinião de importantes vultos
da cultura. Tal como relembra Sampaio da Nóvoa no prefácio do livro de Rui
Malhó, já Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, afirmara que
“o artista conhecerá melhor o mundo, e
até a sua arte, se souber matemática e física e biologia e química. O cientista
compreenderá melhor as coisas e também a sua ciência, se se abrir à música, à
pintura, à arte.” Rui Malhó, o cientista, confessa o seu gosto pela poesia
que terá nascido durante as aulas de português no secundário. E parecendo estar
afinal tão longe dos seus “textos científicos objectivos, pragmáticos,
descritivos”, facilmente concluímos que, ao decidir publicar este livro, ele
continua a aceitar a poesia como aliada imprescindível na sua vivência actual,
como professor e investigador. Curiosamente, a ideia terá nascido do encontro
casual com uma obra intitulada “a quark for Mr. Mark”, ao consultar estantes da
Popular Science numa livraria britânica. O livro era afinal uma compilação de
101 poemas sobre ciência. Abandonada a primitiva hipótese de o traduzir para
português, pensou – e ainda bem – em fazer uma escolha do mesmo género entre os
nossos poetas que tivessem abordado a ciência nos seus poemas. De igual modo
havia que escolher para título uma partícula elementar tal como era o caso de
quark. Nada melhor do que o bosão tão falado recentemente e para manter a rima
poética essa partícula seria do João. Depois de um trabalho certamente
exaustivo na escolha apropriada, pois são muitos os nossos poetas que abordam temas
de ciência nos seus poemas, decidiu-se pelos 88 que agora nos apresenta. Foi
com enorme prazer que constatámos ser António Gedeão o primeiro a figurar nesta
concepção da obra de Rui Malhó, nela figurando depois várias vezes. Rómulo de
Carvalho, seu verdadeiro nome, foi nosso professor de físico-quimica no Liceu
Pedro Nunes e com ele mantivemos uma relação de grande amizade, ultrapassando
mesmo a de seu simples aluno, pois viria a ter grande influência noutra área da
minha vida profissional. Nos seus poemas como em todos os dos restantes poetas
que foram escolhidos por Rui Malhó a ciência está presente e é mesmo explicada
com grande força poética. E não é só porque a poesia serve a ciência mas também
em determinados momentos verificamos que a ciência alcança valores onde vibra a
poesia. As duas forças como que se entrelaçam e ajudam dando um melhor sentido
às ideias expressas. E se a poesia sempre foi uma forma literária que melhor
transmite o que se passa no mais íntimo de um ser humano, sentimentos, desejos
ou paixões, ela consegue explicar de forma mais límpida e compreensível para
quem a lê, fenómenos científicos que de outra forma lhes poderiam passar
simplesmente despercebidos, ficando longe do seu real significado. Mais
conhecidos uns, menos conhecidos outros, o prazer de encontrar neste livro
poetas que nos transmitem a sua arte atravessada por uma determinada descrição
científica, em perfeita consonância, porque rima é também som, faz aumentar a
nossa capacidade de abranger melhor cada uma das duas áreas. E este é um
acréscimo real no valor desta obra que aqui depositamos no nosso Amor pelos
Livros.
Para ler alguns poemas desta obra clique aqui.
PISO 3
QUARTO
313
Fernando Correia
Apetece-me
dizer que este é mais um livro que não devia ter sido escrito. E no entanto é
um livro admiravelmente escrito por um grande amigo. Mas para que não tivesse
sido escrito era necessário que ele não sofresse, que neste nosso mundo não
existissem dores e que tudo fosse perfeito, não existindo doenças como aquela
que atingiu sua mulher, para as quais se aguarda uma cura que tarda em aparecer. E assim, como aliás tem
sido dito e escrito, houve a coragem de o escrever e, sendo um livro nascido da
dor, pode transmitir algum consolo e felicidade. Fernando Correia, meu
companheiro de tantos anos, a voz da Rádio Portuguesa que toda a gente conhece,
o talentoso homem do desporto e da Televisão, cujos relatos e comentários dos
acontecimentos desportivos são ouvidos por muitos milhares de pessoas que,
antes de o saberem, nestes dias mais recentes, não imaginavam o que se escondia
há já alguns anos na sua vida íntima, perante o terrível Alzheimer que atinge a sua
mulher, teve também a coragem de nos revelar neste livro a sua dolorosa
experiência num confessado intuito de ajudar todos os que se confrontam com
esta doença nos seus familiares mas também preparando aqueles que ainda não
conhecem os seus efeitos. Afinal, contrariamente aos meus desejos, este livro
tinha mesmo de existir. Que Fernando Correia era, para além de homem do
desporto, um notável escritor com obras de carácter desportivo mas igualmente
ensaios, biografias, contos, etc. num total de mais de três dezenas de títulos,
já alguns de nós sabíamos. Outros eventualmente, mais longe da literatura e
seus autores, não lhe conheciam tais qualidades. E é com essa qualidade de
primoroso escritor que ele consegue dar-nos agora, rompendo contra a anterior
reserva, autorizado que foi pela restante e numerosa família, uma obra ímpar
mais do que necessária pela ajuda que certamente vai trazer a muitos leitores.
Criterioso nos mais pequenos pormenores, ele relata os momentos vividos com
Vera, sua mulher, desde que se começou a notar que alguma coisa de anormal
acontecia, os desvios de atenção, a falta de memória, os gestos e palavras
destituídos do momento em que se davam e portanto despropositados, depois as
insónias, as irritações e zangas inesperadas, mais tarde aquele olhar para o
vazio e a tudo vamos assistindo com o seu relato informal mas exacto. Depois as
visitas aos médicos, o inevitável internamento para a tentativa da recuperação
cognitiva, quando o mundo de Vera já não era o nosso nem o de Fernando, nem o
das filhas. Ela vivia numa outra onda sem poder sentir o mundo à sua volta. Mas
a recuperação como em tantos outros casos teve o desfecho que ele apesar de
tudo não esperava. Nem Vera talvez. Nada se conseguiu. E portanto só era
possível o internamento naquele “Quarto 313”
do Piso 3. E aí temos então, desde esse momento até hoje todo o desenrolar do
que são os dias intermináveis de Vera, passando pela necessidade de continuar a
conviver com um dispositivo especial para se alimentar pois tinha perdido a
vontade natural de o fazer. Mais tarde, num acesso de raiva ou desespero, viria
a revolta de o arrancar e curiosamente, depois do recobro da anestesia para lhe
ser colocado um novo dispositivo, acordou com fome e murmurou “comida”. Que
alegria para Fernando e toda a família que tentavam festejar ali na Casa de
Saúde o dia dos seus anos! Ele correu ao bar, comprou a sanduíche de queijo que
ela acabaria por comer pela sua própria mão. Diz o poeta, algures, que “a vida
é feita destes pequenos nadas”. Noutro contexto, claro, Fernando Correia vive
estes pequenos nadas de um regresso de Vera. E são muitos os que nos vai
contando neste livro maravilhoso, confessando a importância que isso tem não só
para ele e para as filhas, como também – quem sabe – para a própria Vera. Ele
vive sempre na esperança de que algo virá a acontecer. E para isso, é
necessário transmitir essa mesma esperança aos doentes de Alzheimer, mesmo que
pareça que não nos compreendem, que não nos reconhecem e nada nos digam,
murmurando simples monossílabos que são talvez as suas palavras naquele mundo
estranho onde não conseguimos entrar. Para além da experiência e da dolorosa
história do autor, no confronto com a realidade da terrível doença que atinge a
sua mulher, encontramos toda uma série de informações que ele foi recolhendo na
tentativa de saber mais e mais sobre possíveis causas, meios de atenuar os
sofrimentos vividos pelos doentes, as investigações em curso para alcançar a
cura num futuro que se deseja para amanhã, não perdendo nunca a esperança de que
chegue a tempo para os que dela precisam já hoje. É portanto também um livro de
grande utilidade para os que estejam a viver esse drama de acompanhar alguém
com a doença ou preparando-nos para a eventualidade, até ao momento de causa
inexplicável, de que o mesmo venha a acontecer. Uma coisa nos ensina, se é que
para muitos é necessário lembrar, sabemos muito pouco sobre a maneira como
funciona o cérebro humano. Embora atingido por uma qualquer grave afecção que
impede por exemplo a comunicação normal com quem contacta, não deixa de
pertencer a um ser, nosso semelhante, que está vivo e necessita da nossa
presença e do nosso auxílio. E isso aprendemos se ainda o não sabíamos. Muito
do que Fernando Correia admirou e amou em Vera continua nela. Relendo algo das
palavras do Professor Manuel Sérgio no prefácio, este livro é uma preciosidade
para as “famílias que tenham, no seu seio, um doente de patologia igual ou
semelhante”. Fernando Correia, o jornalista e escritor que o país inteiro
admira e aplaude, escreveu-o num acto que não só o liberta de pequenos erros
que então julga ter cometido (e quem o poderá julgar?), para que não se
repitam, para que melhor se possam acompanhar os doentes de Alzheimer, fazendo
o que agora faz juntamente com as filhas e mesmo com os pequenos netos, mas
também porque é um homem extremamente generoso, como aliás sempre o conhecemos
na vida profissional que tivemos lado a lado. Importante também é a esperança
que nunca o abandona de que a solução chegará um dia. E então voltarão os dois
a sorrir. No final do seu livro, acompanhando um poema de Ary dos Santos, amigo
comum, e também numa espécie de premonição ao drama que hoje vivem, ele diz:
“Estou aqui, Vera. A sorrir para ti”. E eu, meu grande amigo, fazendo uma
excepção ao que é habitual escrever aqui digo também: Obrigado Fernando. Esse
dia há-de chegar!
Para
ler um excerto desta obra clique aqui
O “GRANDE JORNALZINHO”
DA RUA
DOS CALAFATES
Pedro Foyos
Este “Grande
Jornalzinho” é o “Diário de Notícias”. E nasceu na Rua dos Calafates. O livro é
a história dos seus primeiros anos desde que aquela folhinha, saiu à rua a 29
de Dezembro de 1864, composta por alguns dos mais ilustres tipógrafos daquele
tempo, concretizando o sonho do seu director Eduardo Coelho. Foi precisamente
há 150 anos. Comprometia-se então, como aliás estava escrito numa pequena
coluna, curiosamente à esquerda, e dirigida “Ao público”, a “interessar a todas as classes, ser
acessível a todas as bolsas e comprehensível a todas as intelligências” e mais adiante afirmando concisamente
como aliás também prometia ser “um
jornal de todos e para todos”. Livro profusamente ilustrado, com
reproduções e desenhos que ilustravam nesse tempo alguns dos artigos antes de,
a seu tempo, virem a ser substituídos pelas primeiras fotografias dos
repórteres. E depois a mudança para o edifício da Av. da Liberdade,
curiosamente após ter sido dado o nome de Rua do Diário de Notícias à Rua dos
Calafates em
pleno Bairro Alto. Enfim, um olhar
criterioso, profundo, histórico, rico de imagens e factos para relembrar ou dar
a conhecer a muitos dos que nas últimas décadas não se dariam conta do que foi
essa jornada tão cheia de grandes personalidades da literatura e da arte desse
tempo que podemos agora acompanhar com todo o pormenor. E quem melhor do que um
homem como Pedro Foyos, grande jornalista com uma notável carreira
profissional, tendo integrado a chefia da Redacção do "Diário de Notícias", após catorze anos como redactor do "República" (único diário de oposição à Ditadura, dirigido pelo democrata Raul Rego), escritor de várias obras, não só da historiografia da
imprensa como também de ficção, director de várias revistas periódicas,
nomeadamente de fotografia, para nos dar esta “obra deliciosa e didáctica” nas
palavras de Ernesto Rodrigues, “magnífico e tão necessário relato para a nossa
memória colectiva”, segundo a jornalista e escritora Edite Esteves? Arriscamos
dizer que, tal como está delineado, o rigor e a forma como nos descreve no
essencial dos pormenores, na identificação de lugares e de grandes personagens
que se cruzaram na intensa vida deste grande jornal diário que começou a ser
vendido por dez reis, uma simples moeda daquele tempo, e que, tal foi o
interesse com que foi recebido, quase duplicava a sua tiragem dos primeiros
5.000 exemplares para os 9.600 ao fim de um ano, não conhecemos ninguém que
igualasse esta proeza jornalística. O autor descreve o ambiente que rodeava o
aparecimento do “Grande Jornalzinho”, como foi designado pelo escritor Bulhão
Pato.
Não esqueçamos
que se vivia a Monarquia com o Rei Dom Luiz, só uma minoria de vinte por cento
da população urbana estava alfabetizada mas para esses a compra daquela nova
publicação diária, se bem que a sua compra constituísse um acto de certo modo
social, era também o acesso ao prometido mundo cultural que se anunciara no
acto inaugural e ao relativo conhecimento da actualidade dentro e fora do país,
pois apenas uma década passada e aparece pela primeira vez e na primeira página
um mapa do Theatro da Guerra Russo-Turca. Aparece o verdadeiro jornalismo
gráfico com as primeiras reportagens ilustradas por meio de desenhos. E esse
foi um esforço conseguido pelos responsáveis da redacção e seus colaboradores.
A leitura desta obra, acompanhada pelas ilustrações desse tempo e depois as
fotografias passadas a desenho, mais tarde à sua própria impressão marcando a
chegada dos repórteres fotográficos ao mundo da imprensa diária, torna-se uma
viagem fascinante que acompanhamos com redobrado interesse. Quase conseguimos
assistir, em directo, ao que aconteceu na redacção do jornal quando, já fechada
a primeira página, a notícia do regicídio lança um verdadeiro alvoroço entre
jornalistas e tipógrafos (não esquecer que se vivia ainda na época das letras
de chumbo alinhadas cuidadosamente para se proceder à impressão gráfica). Mas o
jornalzinho acabou por sair à rua ostentando no cabeçalho o “Gravíssimo
attentado contra a família real”. Recorda-se a criação dos jornais infantis
lançados pela administração. Pessoalmente, vou recordando um pouco da minha
infância. Mas não só. Algo me liga também a esse tempo, até porque o director
do “Cavaleiro Andante”, o escritor e poeta Adolfo Simões Muller, é de certo
modo meu familiar. Vamos assistir também à aparição do ardina na cidade, os
rapazes que distribuíam os jornais, correndo pelas ruas, subindo às encostas, a
todos levando as últimas notícias. Pedro Foyos reserva também algumas
riquíssimas páginas para nos dar, desde 1865 com o “Assassinato do Presidente
Lincoln” a 1933 quando a “Fina Flor da Sociedade Portuguesa vem de longe para
visitar a Feira do Campo Grande em Lisboa”, uma série de pequenas e grandes
notícias que talvez estivessem perdidas no tempo se não estivessem agora aqui
reproduzidas, todas elas acompanhadas das respectivas ilustrações desse
tempo, assim como do seu descritivo temporal feito agora pelo
autor. E isso também faz deste livro um documento valioso para a história
do Jornalismo em
Portugal. Mas a pérola, ou - como é costume dizer-se - a
cereja no cimo do bolo, ainda fica reservada para o final, onde podemos ler uma
curiosa entrevista póstuma a Eduardo Coelho, cofundador e primeiro director do
“Diário de Notícias”, da autoria de Maria Augusta Silva, jornalista e escritora
de reconhecidos méritos, esposa de Pedro Foyos, resultando de uma proposta
feita em 1984 ao director Mário Mesquita e que a insigne jornalista consegue
dar-nos, após pesquisa e consulta a inúmeros textos do primeiro director do
Jornalzinho, neles se baseando para ser, ao invés do habitual, conduzida às
perguntas que lhe deveria fazer. Espero ter conseguido demonstrar, com a minha
humilde análise a esta obra, o interesse que ela representa no panorama
literário português, o seu valor e quanto merece ser lida e apreciada.
Para ler um excerto desta obra clique aqui
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