Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne

O BOSÃO DO JOÃO
88 POEMAS COM CIÊNCIAS
Rui Malhó

Ao deparar com este título, o leitor mais informado pensará que ele se refere a tema relacionado com a ciência nomeadamente com a física. Todos se recordam de há dois anos ter sido finalmente descoberto o Bosão de Higgs no grande acelerador de partículas do CERN, acontecimento recebido com grande entusiasmo por toda a comunidade científica e também pela comunicação social, pois essa partícula tinha sido prevista pelo físico Peter Higgs em 1964 e era portanto esperada há décadas. O Bosão do João poderia portanto ser igualmente a previsão de uma nova partícula. Mas nada disso. O autor deste livro, Rui Malhó, é de facto um cientista, doutorado em Biologia pela Universidade de Lisboa - tendo escolhido para a sua tese oEstudo da germinação do grão de pólen” - actualmente Professor da Faculdade de Ciências da mesma universidade e membro da Academia de Ciências, sendo autor e co-autor em dezenas de artigos em revistas científicas internacionais. Folheando o livro, nota-se de imediato que as suas páginas são preenchidas por poemas e numa observação mais cuidada à capa pode ler-se como sub-título “88 poemas com ciências”. Trata-se portanto de um livro de poesia. Rui Malhó não é poeta e os poemas foram escolhidos por ele devido à relação que cada um deles tem com a ciência. E o facto de ter escolhido “88” não foi por acaso. Estivemos numa das apresentações de lançamento do livro, precisamente no dia Mundial da Poesia e não nos ocorreu perguntar-lhe a razão da escolha desse número. Mas mesmo que o tenha feito por outras razões, podemos reparar que a junção desses dois algarismos para formar um número tem algo que nos leva a pensar em reflexo, o que tem a ver com propriedades da luz e da interposição de determinados materiais; e também o símbolo oito possui dois círculos que se tocam, numa rigorosa simetria; física, geometria, matemática claro, a ciência enfim. Motivo ou não para esse pormenor do subtítulo, o livro que o autor nos apresenta vem demonstrar o que algumas pessoas esquecem. Poesia e ciência ou arte e ciência sempre tiveram uma ligação, aliás necessária na opinião de importantes vultos da cultura. Tal como relembra Sampaio da Nóvoa no prefácio do livro de Rui Malhó, já Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, afirmara que “o artista conhecerá melhor o mundo, e até a sua arte, se souber matemática e física e biologia e química. O cientista compreenderá melhor as coisas e também a sua ciência, se se abrir à música, à pintura, à arte.” Rui Malhó, o cientista, confessa o seu gosto pela poesia que terá nascido durante as aulas de português no secundário. E parecendo estar afinal tão longe dos seus “textos científicos objectivos, pragmáticos, descritivos”, facilmente concluímos que, ao decidir publicar este livro, ele continua a aceitar a poesia como aliada imprescindível na sua vivência actual, como professor e investigador. Curiosamente, a ideia terá nascido do encontro casual com uma obra intitulada “a quark for Mr. Mark”, ao consultar estantes da Popular Science numa livraria britânica. O livro era afinal uma compilação de 101 poemas sobre ciência. Abandonada a primitiva hipótese de o traduzir para português, pensou – e ainda bem – em fazer uma escolha do mesmo género entre os nossos poetas que tivessem abordado a ciência nos seus poemas. De igual modo havia que escolher para título uma partícula elementar tal como era o caso de quark. Nada melhor do que o bosão tão falado recentemente e para manter a rima poética essa partícula seria do João. Depois de um trabalho certamente exaustivo na escolha apropriada, pois são muitos os nossos poetas que abordam temas de ciência nos seus poemas, decidiu-se pelos 88 que agora nos apresenta. Foi com enorme prazer que constatámos ser António Gedeão o primeiro a figurar nesta concepção da obra de Rui Malhó, nela figurando depois várias vezes. Rómulo de Carvalho, seu verdadeiro nome, foi nosso professor de físico-quimica no Liceu Pedro Nunes e com ele mantivemos uma relação de grande amizade, ultrapassando mesmo a de seu simples aluno, pois viria a ter grande influência noutra área da minha vida profissional. Nos seus poemas como em todos os dos restantes poetas que foram escolhidos por Rui Malhó a ciência está presente e é mesmo explicada com grande força poética. E não é só porque a poesia serve a ciência mas também em determinados momentos verificamos que a ciência alcança valores onde vibra a poesia. As duas forças como que se entrelaçam e ajudam dando um melhor sentido às ideias expressas. E se a poesia sempre foi uma forma literária que melhor transmite o que se passa no mais íntimo de um ser humano, sentimentos, desejos ou paixões, ela consegue explicar de forma mais límpida e compreensível para quem a lê, fenómenos científicos que de outra forma lhes poderiam passar simplesmente despercebidos, ficando longe do seu real significado. Mais conhecidos uns, menos conhecidos outros, o prazer de encontrar neste livro poetas que nos transmitem a sua arte atravessada por uma determinada descrição científica, em perfeita consonância, porque rima é também som, faz aumentar a nossa capacidade de abranger melhor cada uma das duas áreas. E este é um acréscimo real no valor desta obra que aqui depositamos no nosso Amor pelos Livros.

Para ler alguns poemas desta obra clique aqui.
PISO 3
QUARTO
313
Fernando Correia

Apetece-me dizer que este é mais um livro que não devia ter sido escrito. E no entanto é um livro admiravelmente escrito por um grande amigo. Mas para que não tivesse sido escrito era necessário que ele não sofresse, que neste nosso mundo não existissem dores e que tudo fosse perfeito, não existindo doenças como aquela que atingiu sua mulher, para as quais se aguarda uma cura que tarda em aparecer. E assim, como aliás tem sido dito e escrito, houve a coragem de o escrever e, sendo um livro nascido da dor, pode transmitir algum consolo e felicidade. Fernando Correia, meu companheiro de tantos anos, a voz da Rádio Portuguesa que toda a gente conhece, o talentoso homem do desporto e da Televisão, cujos relatos e comentários dos acontecimentos desportivos são ouvidos por muitos milhares de pessoas que, antes de o saberem, nestes dias mais recentes, não imaginavam o que se escondia há já alguns anos na sua vida íntima, perante o terrível Alzheimer que atinge a sua mulher, teve também a coragem de nos revelar neste livro a sua dolorosa experiência num confessado intuito de ajudar todos os que se confrontam com esta doença nos seus familiares mas também preparando aqueles que ainda não conhecem os seus efeitos. Afinal, contrariamente aos meus desejos, este livro tinha mesmo de existir. Que Fernando Correia era, para além de homem do desporto, um notável escritor com obras de carácter desportivo mas igualmente ensaios, biografias, contos, etc. num total de mais de três dezenas de títulos, já alguns de nós sabíamos. Outros eventualmente, mais longe da literatura e seus autores, não lhe conheciam tais qualidades. E é com essa qualidade de primoroso escritor que ele consegue dar-nos agora, rompendo contra a anterior reserva, autorizado que foi pela restante e numerosa família, uma obra ímpar mais do que necessária pela ajuda que certamente vai trazer a muitos leitores. Criterioso nos mais pequenos pormenores, ele relata os momentos vividos com Vera, sua mulher, desde que se começou a notar que alguma coisa de anormal acontecia, os desvios de atenção, a falta de memória, os gestos e palavras destituídos do momento em que se davam e portanto despropositados, depois as insónias, as irritações e zangas inesperadas, mais tarde aquele olhar para o vazio e a tudo vamos assistindo com o seu relato informal mas exacto. Depois as visitas aos médicos, o inevitável internamento para a tentativa da recuperação cognitiva, quando o mundo de Vera já não era o nosso nem o de Fernando, nem o das filhas. Ela vivia numa outra onda sem poder sentir o mundo à sua volta. Mas a recuperação como em tantos outros casos teve o desfecho que ele apesar de tudo não esperava. Nem Vera talvez. Nada se conseguiu. E portanto só era possível o internamento naquele “Quarto 313” do Piso 3. E aí temos então, desde esse momento até hoje todo o desenrolar do que são os dias intermináveis de Vera, passando pela necessidade de continuar a conviver com um dispositivo especial para se alimentar pois tinha perdido a vontade natural de o fazer. Mais tarde, num acesso de raiva ou desespero, viria a revolta de o arrancar e curiosamente, depois do recobro da anestesia para lhe ser colocado um novo dispositivo, acordou com fome e murmurou “comida”. Que alegria para Fernando e toda a família que tentavam festejar ali na Casa de Saúde o dia dos seus anos! Ele correu ao bar, comprou a sanduíche de queijo que ela acabaria por comer pela sua própria mão. Diz o poeta, algures, que “a vida é feita destes pequenos nadas”. Noutro contexto, claro, Fernando Correia vive estes pequenos nadas de um regresso de Vera. E são muitos os que nos vai contando neste livro maravilhoso, confessando a importância que isso tem não só para ele e para as filhas, como também – quem sabe – para a própria Vera. Ele vive sempre na esperança de que algo virá a acontecer. E para isso, é necessário transmitir essa mesma esperança aos doentes de Alzheimer, mesmo que pareça que não nos compreendem, que não nos reconhecem e nada nos digam, murmurando simples monossílabos que são talvez as suas palavras naquele mundo estranho onde não conseguimos entrar. Para além da experiência e da dolorosa história do autor, no confronto com a realidade da terrível doença que atinge a sua mulher, encontramos toda uma série de informações que ele foi recolhendo na tentativa de saber mais e mais sobre possíveis causas, meios de atenuar os sofrimentos vividos pelos doentes, as investigações em curso para alcançar a cura num futuro que se deseja para amanhã, não perdendo nunca a esperança de que chegue a tempo para os que dela precisam já hoje. É portanto também um livro de grande utilidade para os que estejam a viver esse drama de acompanhar alguém com a doença ou preparando-nos para a eventualidade, até ao momento de causa inexplicável, de que o mesmo venha a acontecer. Uma coisa nos ensina, se é que para muitos é necessário lembrar, sabemos muito pouco sobre a maneira como funciona o cérebro humano. Embora atingido por uma qualquer grave afecção que impede por exemplo a comunicação normal com quem contacta, não deixa de pertencer a um ser, nosso semelhante, que está vivo e necessita da nossa presença e do nosso auxílio. E isso aprendemos se ainda o não sabíamos. Muito do que Fernando Correia admirou e amou em Vera continua nela. Relendo algo das palavras do Professor Manuel Sérgio no prefácio, este livro é uma preciosidade para as “famílias que tenham, no seu seio, um doente de patologia igual ou semelhante”. Fernando Correia, o jornalista e escritor que o país inteiro admira e aplaude, escreveu-o num acto que não só o liberta de pequenos erros que então julga ter cometido (e quem o poderá julgar?), para que não se repitam, para que melhor se possam acompanhar os doentes de Alzheimer, fazendo o que agora faz juntamente com as filhas e mesmo com os pequenos netos, mas também porque é um homem extremamente generoso, como aliás sempre o conhecemos na vida profissional que tivemos lado a lado. Importante também é a esperança que nunca o abandona de que a solução chegará um dia. E então voltarão os dois a sorrir. No final do seu livro, acompanhando um poema de Ary dos Santos, amigo comum, e também numa espécie de premonição ao drama que hoje vivem, ele diz: “Estou aqui, Vera. A sorrir para ti”. E eu, meu grande amigo, fazendo uma excepção ao que é habitual escrever aqui digo também: Obrigado Fernando. Esse dia há-de chegar!
       

Para ler um excerto desta obra clique aqui
O “GRANDE JORNALZINHO”
DA RUA
DOS CALAFATES
Pedro Foyos

Este “Grande Jornalzinho” é o “Diário de Notícias”. E nasceu na Rua dos Calafates. O livro é a história dos seus primeiros anos desde que aquela folhinha, saiu à rua a 29 de Dezembro de 1864, composta por alguns dos mais ilustres tipógrafos daquele tempo, concretizando o sonho do seu director Eduardo Coelho. Foi precisamente há 150 anos. Comprometia-se então, como aliás estava escrito numa pequena coluna, curiosamente à esquerda, e dirigida “Ao público”, a “interessar a todas as classes, ser acessível a todas as bolsas e comprehensível a todas as intelligências” e mais adiante afirmando concisamente como aliás também prometia ser “um jornal de todos e para todos”. Livro profusamente ilustrado, com reproduções e desenhos que ilustravam nesse tempo alguns dos artigos antes de, a seu tempo, virem a ser substituídos pelas primeiras fotografias dos repórteres. E depois a mudança para o edifício da Av. da Liberdade, curiosamente após ter sido dado o nome de Rua do Diário de Notícias à Rua dos Calafates em pleno Bairro Alto. Enfim, um olhar criterioso, profundo, histórico, rico de imagens e factos para relembrar ou dar a conhecer a muitos dos que nas últimas décadas não se dariam conta do que foi essa jornada tão cheia de grandes personalidades da literatura e da arte desse tempo que podemos agora acompanhar com todo o pormenor. E quem melhor do que um homem como Pedro Foyos, grande jornalista com uma notável carreira profissional, tendo integrado a chefia da Redacção do "Diário de Notícias", após catorze anos como redactor do "República" (único diário de oposição à Ditadura, dirigido pelo democrata Raul Rego), escritor de várias obras, não só da historiografia da imprensa como também de ficção, director de várias revistas periódicas, nomeadamente de fotografia, para nos dar esta “obra deliciosa e didáctica” nas palavras de Ernesto Rodrigues, “magnífico e tão necessário relato para a nossa memória colectiva”, segundo a jornalista e escritora Edite Esteves? Arriscamos dizer que, tal como está delineado, o rigor e a forma como nos descreve no essencial dos pormenores, na identificação de lugares e de grandes personagens que se cruzaram na intensa vida deste grande jornal diário que começou a ser vendido por dez reis, uma simples moeda daquele tempo, e que, tal foi o interesse com que foi recebido, quase duplicava a sua tiragem dos primeiros 5.000 exemplares para os 9.600 ao fim de um ano, não conhecemos ninguém que igualasse esta proeza jornalística. O autor descreve o ambiente que rodeava o aparecimento do “Grande Jornalzinho”, como foi designado pelo escritor Bulhão Pato. 
Não esqueçamos que se vivia a Monarquia com o Rei Dom Luiz, só uma minoria de vinte por cento da população urbana estava alfabetizada mas para esses a compra daquela nova publicação diária, se bem que a sua compra constituísse um acto de certo modo social, era também o acesso ao prometido mundo cultural que se anunciara no acto inaugural e ao relativo conhecimento da actualidade dentro e fora do país, pois apenas uma década passada e aparece pela primeira vez e na primeira página um mapa do Theatro da Guerra Russo-Turca. Aparece o verdadeiro jornalismo gráfico com as primeiras reportagens ilustradas por meio de desenhos. E esse foi um esforço conseguido pelos responsáveis da redacção e seus colaboradores. A leitura desta obra, acompanhada pelas ilustrações desse tempo e depois as fotografias passadas a desenho, mais tarde à sua própria impressão marcando a chegada dos repórteres fotográficos ao mundo da imprensa diária, torna-se uma viagem fascinante que acompanhamos com redobrado interesse. Quase conseguimos assistir, em directo, ao que aconteceu na redacção do jornal quando, já fechada a primeira página, a notícia do regicídio lança um verdadeiro alvoroço entre jornalistas e tipógrafos (não esquecer que se vivia ainda na época das letras de chumbo alinhadas cuidadosamente para se proceder à impressão gráfica). Mas o jornalzinho acabou por sair à rua ostentando no cabeçalho o “Gravíssimo attentado contra a família real”. Recorda-se a criação dos jornais infantis lançados pela administração. Pessoalmente, vou recordando um pouco da minha infância. Mas não só. Algo me liga também a esse tempo, até porque o director do “Cavaleiro Andante”, o escritor e poeta Adolfo Simões Muller, é de certo modo meu familiar. Vamos assistir também à aparição do ardina na cidade, os rapazes que distribuíam os jornais, correndo pelas ruas, subindo às encostas, a todos levando as últimas notícias. Pedro Foyos reserva também algumas riquíssimas páginas para nos dar, desde 1865 com o “Assassinato do Presidente Lincoln” a 1933 quando a “Fina Flor da Sociedade Portuguesa vem de longe para visitar a Feira do Campo Grande em Lisboa”, uma série de pequenas e grandes notícias que talvez estivessem perdidas no tempo se não estivessem agora aqui reproduzidas, todas elas acompanhadas das respectivas ilustrações desse tempo, assim como do seu descritivo temporal feito agora pelo autor. E isso também faz deste livro um documento valioso para a história do Jornalismo em Portugal. Mas a pérola, ou - como é costume dizer-se - a cereja no cimo do bolo, ainda fica reservada para o final, onde podemos ler uma curiosa entrevista póstuma a Eduardo Coelho, cofundador e primeiro director do “Diário de Notícias”, da autoria de Maria Augusta Silva, jornalista e escritora de reconhecidos méritos, esposa de Pedro Foyos, resultando de uma proposta feita em 1984 ao director Mário Mesquita e que a insigne jornalista consegue dar-nos, após pesquisa e consulta a inúmeros textos do primeiro director do Jornalzinho, neles se baseando para ser, ao invés do habitual, conduzida às perguntas que lhe deveria fazer. Espero ter conseguido demonstrar, com a minha humilde análise a esta obra, o interesse que ela representa no panorama literário português, o seu valor e quanto merece ser lida e apreciada.



Para ler um excerto desta obra clique aqui