Fernando Correia
Mais uma vez estamos perante uma obra
demonstrativa da grande sensibilidade de um autor, meu amigo e camarada de
trabalho de muitos anos na então Emissora Nacional, jornalista e escritor com
muitas obras publicadas entre as quais duas que estão neste espaço que criei na
Net. Mas é também o comentador desportivo na Rádio e Televisão com milhares de
admiradores que não perdem as suas regulares intervenções, professor na área da
Comunicação Social, enfim um homem de extraordinárias qualidades. Só assim se
compreende que tenha acompanhado um sem-abrigo por todos os locais – e são
muitos infelizmente – onde se abrigam em Lisboa a enorme quantidade desses
desprotegidos que não têm as mínimas condições de vida que afinal até lhes
estariam garantidas pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e
nomeadamente pela nossa Constituição. O Fernando acompanha Henrique, um
sem-abrigo que todos os dias via passar na sua rua, quase sempre à mesma hora.
Era um homem alto, um pouco curvado, passo cadenciado, caminhando como se fosse
para o emprego que depois veio a saber-se que não tinha. Aliás Henrique não
tinha emprego, não tinha casa, não tinha família, quase podendo dizer-se que
não tinha nada. Mas afinal tinha tudo o que necessitava. Tinha o sol, as árvores,
o próprio céu como teto dos locais onde dormia. E é Henrique, sentado num seu
banco habitual do Jardim do Alto de Santo Amaro, que depois do Fernando o
abordar, perguntando-lhe se podiam conversar, lhe responde com uma outra
pergunta: Costuma conversar com Deus? A partir daí, Henrique, confessando não
ser crente, confessa isso sim que se fosse Deus, faria deste mundo um mundo
diferente. E isso seria possível se todos os homens quisessem, se fossem mais
solidários, se como governantes tomassem medidas para evitar que continuassem a
existir pobres, sem-abrigo, drogados, alcoólicos, analfabetos, a exploração de
menores, a prostituição feminina e masculina, o desemprego, a fome, os doentes
sem possibilidade de se tratarem, o abandono dos velhos em lares e muito mais
daquilo que alguém, a quem chamam deus, permite afinal que encham as ruas, os
vãos de escada, pequenos locais mais abrigados, toda a miséria que está patente
nesta e noutras cidades, como aliás pode mostrar. E é então que Fernando
Correia é conduzido por Henrique a locais como Monsanto e os esconderijos que
por lá existem, algumas estações ferroviárias que por vezes permitem que lá
pernoitem os sem-abrigo, uma espécie de submundo que a maioria de nós ignora ou
faz por ignorar, trocando por uma esmola deixada cair num velho chapéu à beira
de um qualquer passeio aquilo a que chama a sua consciência, ficando de bem com
ela e provavelmente com a tal entidade a que chama Deus. Não. Henrique
interroga-se e convida os outros a fazerem a mesma pergunta: E se eu fosse
Deus? Henrique teve estudos, um emprego que a certa altura lhe tiraram e até
uma casa onde viveu com a sua mulher que inexplicavelmente o abandonou.
Percorrendo as ruas de Lisboa, Henrique vai mostrando a Fernando os locais onde
vivem os sem-abrigo cujas histórias conhece e que merecem ser mais conhecidas
pelos leitores do livro que ele sabe que Fernando vai escrever. São testemunhos
fantásticos, quase inimagináveis, comoventes mas poderosos para que possamos
criar dentro de nós próprios uma maior força de solidariedade. Henrique sugeriu
ao autor que fosse com ele numa noite de Natal às visitas efectuadas
regularmente aos domingos às estações das Gares do Oriente, Santa Apolónia e
Rossio por um grupo de voluntários que distribui alimentos aos sem-abrigo que
ali se acolhem. Fernando Correia conta-nos como foi possível assistir a
momentos de grande alegria e felicidade mostrados naqueles rostos que
diariamente nos aparecem nas nossas ruas solicitando ajuda. Mas era Natal e até
houve lugar para prendas. Henrique não precisa de prendas. A única coisa que
ele precisa e muito gostaria de alcançar era acabar com a falta de
solidariedade que vê à sua volta. Como é possível que os responsáveis por este
mundo que ele nos mostra através da lúcida escrita de Fernando Correia nada
façam para que esta verdadeira calamidade desapareça. Por isso se interroga: E
se eu fosse Deus?
Henrique levou o autor a conhecer de perto, entre outras, a história de
Marília, de Natália, do Zé Maria, do Zeca e da Zélia, do Ti Chico e da sua
Rosa, apenas alguns dos muitos sem-abrigo com os quais convivia. São
testemunhos comoventes mas cheios daquela verdade que nos mostra a indiferença das entidades
governamentais perante uma verdadeira calamidade social. Este livro, as histórias que Henrique
nos conta sobre o modo como vivem alguns sem-abrigo como ele, mas sem a sua
capacidade de as enfrentar, rolando cada vez mais para uma sub-vida ou
socorrendo-se da droga e da prostituição, as suas consequências na doença e até
na perda de certas faculdades mentais, merece ser lido por todos os que sintam
o desejo de melhorar de facto a humanidade fornecendo talvez o caminho para um
mundo melhor.
CENAS DA VIDA AMERICANA
Clara Ferreira Alves
Confessando o quanto admiro a escritora e jornalista Clara
Ferreira Alves, tomo a liberdade, que nunca fiz, de reproduzir a cinta que
cobre esta sua obra para início do que farei o possível por dizer sobre o seu
conteúdo. De facto está ali tudo o que a autora nos vai contar. “Estes são os
dias da América: o poder do dinheiro, os bastidores da política, as malhas da
guerra, o quotidiano dos que não têm voz”. Clara Ferreira Alves, como aliás tem
referido por várias vezes nos seus artigos e em intervenções televisivas,
conhece bem a América, o nome pelo qual são designados os Estados Unidos da América.
Percorreu todos os estados de uma costa à outra, desde 1980 até aos dias de
hoje. Em muitas das cidades permaneceu durante vários dias e teve a
possibilidade de avaliar o modo de viver do povo americano, não deixando de
notar que desde Reagan até aos dias de hoje com Trump, os presidentes não
conseguiram fazer desaparecer o grande fosso que divide ricos e pobres. Afinal
a América da Liberdade, o país tantas vezes desejado por aqueles que
acreditavam que ali iriam encontrar um futuro radioso para si e muitas vezes
também para a família, vive do poder do dinheiro infiltrado nos bastidores da política.
Chegavam pobres, pensando poder ali viver com alguma dignidade e segurança
quando na maior parte das vezes ficavam pior do que nos seus países de origem.
Clara Ferreira Alves encontrou muitos desses emigrantes em pequenas cidades do
interior de muitos dos estados. O sonho americano que eles imaginavam que iriam
encontrar naquele país não chegara a concretizar-se. A autora analisa,
investiga as possíveis razões e leva-nos a percorrer como era a América nos
dias de Reagan, dos Bush, de Clinton, mesmo de Obama e até como vai ela com o
actual Trump. Assistimos ao verdadeiro desenrolar dos episódios conhecidos
durante esses vários mandatos. Mas esta obra consegue descrever-nos com a
exactidão da veia jornalística, não só o como, mas também a razão porque
aconteceram as inúmeras cenas que apenas todos nós conhecíamos das notícias que
foram sendo divulgadas durante todos esses anos. E sem qualquer sombra de
dúvida é possível concluir como afinal estas cenas da vida americana nos
revelam ser sempre o poder do dinheiro dos mais ricos que, como sempre, acaba
por vencer e deixa sem o mínimo conforto os que não conseguiram alcançar o
ambicionado sonho americano, velhos vagabundos, drogados, negros e brancos
desempregados e também mulheres. Mulheres, muitas mulheres sem família, sem
filhos, que os maridos abandonaram para tentar qualquer outro caminho que
aquela América lhes negou, deixando-as em perfeita miséria, sujeitas aos piores
sacrifícios que nunca pensaram ter de suportar. É verdade que a autora não
nega, como afirma peremptoriamente, que a América salvou a Europa em momentos
da história em que tudo parecia ruir neste nosso continente. E de tal modo isso
foi verdade que o século XX chegou a ter o nome de século americano. Em Nova
York persiste uma vida turbulenta que nos dá a ideia de que tudo vai bem. As
grandes salas de espectáculo enchem-se das elites que sempre persistiram. E os
bons restaurantes não faliram, pelo menos por enquanto. É lá que uma certa
gentalha se reúne para combinar as grandes fraudes. Central Park ainda existe.
Aliás sempre existiu. Mas de dia é uma coisa diferente do que ali se passa de
noite. Não é seguro. Por lá proliferam os vagabundos e assaltantes. Nós
próprios assistimos a isto quando lá estivemos certa vez em serviço. E já havia
gente sentada nos degraus das portas de saída de muitas casas, estendendo a
mão, pedindo uma esmola que cairia ou não no chapéu colocado à sua frente.
Assistimos a isto em muitas ruas não muito longe do centro de Nova York. Também
eu fiquei desiludido nesse tempo, antes dos anos que Clara Ferreira Alves nos
conta nesta sua obra que reúne muitos dos artigos que publicou desde 1980. E
parece que no essencial nada mudou. Estas suas “Cenas da Vida Americana” servem de facto para ficarmos a conhecer
melhor o que é a América. Não conseguimos transmitir aqui com muito pormenor a
mais pequena ideia de uma tão vasta história. Apesar do que nós próprios podermos
ter visto, tudo o que sabíamos da América ficou agora totalmente transformado
naquilo que constitui a verdade vivida por Clara Ferreira Alves. Claro que
termina com a análise possível do que acontece presentemente com Trump, o homem
que segundo ela “quer destruir o sistema, o amante da força bruta e da guerra
total, o ditador dos media, o Goebbels de uma ópera bufa, a crueldade
claramente vista”. Aconselhamos vivamente esta leitura.
Para ler alguns excertos desta obra clique aqui
UMA ESPERANÇA MAIS FORTE
DO QUE O MAR
Melissa Fleming
Este livro é um verdadeiro livro de amor, apesar de relatar
uma tragédia e sobrevivência de uma refugiada. Se alguém perguntar como pode
ser um livro de amor, basta dizer que essa refugiada antes de iniciar a viagem
para fugir da Síria teve momentos com provas de grande amor quer pelo seu país
martirizado como pelos seus familiares. Já também depois de iniciada a viagem
encontrou um homem pelo qual se apaixonou e que viria a auxiliá-la para poderem
continuar a fuga, embora algo de muito dramático tenha acontecido até chegar ao
primeiro país da Europa que a levaria finalmente ao destino ambicioso de
alcançar a Suécia onde reside actualmente, depois de ter perdido tudo e todos.
A autora Melissa Flemming é Directora de Comunicação e a
porta-voz do Alto Comissariado das Nações unidas para os Refugiados e teve
conhecimento da história da refugiada através do website grego. Sempre atenta a relatos de sobrevivência que
demonstrem o drama dos refugiados e que possam transmitir ao público que apenas
conhecem as notícias dos jornais, embora também estas elucidativas, a
necessária empatia para que todos possamos contribuir com qualquer parcela de
auxílio que esteja ao nosso alcance para acabar com o drama dos refugiados, Melissa
procurou pelos meios ao seu alcance conhecer a refugiada Doaa quando ainda se
encontrava em recuperação num hospital em Atenas. Na posse de diversos artigos,
fotografias e relatos entretanto publicados na imprensa ateniense e não só, o
livro dá-nos a conhecer a verdadeira história de Doaa que conseguiu, apesar de
momentos de grande sofrimento ao relembrar factos passados e alguns deles muito
recentes como a do naufrágio em que conseguiu resistir até ser recolhida pelos
tripulantes de petroleiro que navegava no Mediterrâneo em direcção a Gibraltar
que ficaram surpreendidos com a enormidade de cadáveres a boiar à superfície
mas também o que lhes parecia serem os gritos de socorro que alguém gritava
mais alem. Era Doaa pedindo socorro para duas meninas que segurava nos braços
enquanto se agarrava à pequena bóia de que dispunha.
Neste livro que António Guterres classifica como de “Um livro
admirável de uma autora que não o é menos”, é contada toda a história de Doaa
desde a sua infância feliz na Síria quando este país ainda era um lugar
pacífico até à actualidade, e devemos salientar que em 2016 Doaa Al Zamel
recebeu o prémio OFID 2016 para o Desenvolvimento, atribuído pela OPEP, pela
sua coragem e determinação. Tal como ela própria declara em “Nota de Doaa” no
final do livro, “partilhou nele o seu sofrimento”. Trata-se apenas de uma
pequena amostra das provações e da dor que os refugiados espalhados pelo mundo
têm se suportar e de enfrentar. Sou apenas uma voz entre os milhões que, todos
os dias, arriscam a vida para conseguir viver com dignidade.” E é isto na
verdade o que podemos ler neste livro, juntando-lhe os episódios trágicos de
alguém que apenas deseja encontrar um lugar onde fosse possível viver em paz,
onde as crianças não morressem de fome ou por balas indiscriminadamente
disparadas pelos grupos terroristas. E também as falsas promessas, pagas a peso
de ouro com todas as suas economias, para conseguirem um lugar numa frágil
embarcação que depois os traficantes desumanos e criminosos abandonam a meio do
mar, sem combustível para alcançar terra firme, muitas vezes acabando mesmo por
naufragar. Dir-se-á que todos sabemos desta tragédia dos refugiados, que nos
revolta e lamentamos. Mas aqui, neste livro, temos um rosto que vamos acompanhando,
uma história que parece decorrer a nosso lado, um exemplo bem real de todos os
milhares de refugiados aos quais acontecerá algo semelhante que enchem os
noticiários e os artigos dos jornais. Sim sabemos que alguns refugiados
alcançam as praias do sul da Europa e vão ficando em acampamentos,
deficientemente alojados, até que possam arranjar a desejada licença para
alcançar um país que os receba, nomeadamente o nosso. Mas o que encontramos
neste livro é toda a história da luta pela sobrevivência de uma refugiada,
contada por uma admirável escritora. Ficamos mais conscientes do que é o drama
dos refugiados. E isso é importante.
Para ler um excerto desta obra clique "aqui"
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